Investigações avançam, mas poupam militares

Um mês após invasões, houve 1.420 prisões. Entre os 653 denunciados e 134 sujeitos a bloqueio de bens, nenhum militar.

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Um mês após os ataques golpistas às sedes dos três Poderes, os órgãos de investigação civis avançaram sobre parte dos vândalos envolvidos nas depredações, políticos apontados como omissos e membros da Polícia Militar do Distrito Federal, mas nada até o momento respingou em integrantes das Forças Armadas.

Desde 8 de janeiro, ao menos 1.420 pessoas foram presas em flagrante ou durante as operações deflagradas pela Polícia Federal, batizadas de Lesa Pátria. Em 8 de fevereiro, continuavam presas preventivamente 916 pessoas. Dessas, apenas três são militares: um capitão, um soldado e um suboficial – este último com o privilégio de ter sido recolhido em um quartel da Marinha.

Nenhum militar está entre os 653 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ou na lista dos 20 presos e alvos dos 37 mandados de busca e apreensão cumpridos nas cinco primeiras fases da Operação Lesa Pátria. Integrantes do Exército, Marinha e Aeronáutica também não constam na lista de 134 pessoas na mira do bloqueio de R$ 20,7 milhões solicitado pela AGU (Advocacia-Geral da União).

Além disso, militares são alvo apenas de oito apurações preliminares abertas na esfera militar, conduzidas pelo Ministério Público Militar. Só dois Inquéritos Policiais Militares (IPMs) foram concluídos, contra coronéis da reserva que se manifestaram via redes sociais. Eles foram indiciados, mas não presos. Um deles é Adriano Testoni, indiciado não pela presença no ato golpista, mas por ter xingado seus superiores.

Golpismo explícito e comandante demitido

Um relatório em posse do Ministério da Justiça identificou ao menos oito militares da ativa lotados na Presidência da República durante o governo Bolsonaro que compareceram a atos no acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército em Brasília. Um deles, Ronaldo Ribeiro Travassos, da Marinha, chegou a gravar vídeos e postar áudios em um grupo afirmando que Lula não tomaria posse em 1º de janeiro e defendendo o assassinato de eleitores do petista.

Entre os acampados estavam os responsáveis pelos atentados de 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula, e pela instalação de uma bomba em caminhão de combustível no aeroporto na véspera de Natal. Ainda assim, o Exército suspendeu ao menos duas operações conjuntas com o Governo do Distrito Federal para retirar tendas e instalações do acampamento.

Diversos indícios, reportagens e denúncias apontam para a participação direta de militares na organização dos atos golpistas, em especial o ex-chefe da GSI general Augusto Heleno, e o ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente, general Braga Netto, que coordenava o “QG do Golpe”.

Na noite de 8 de janeiro, o Exército impediu a entrada da Polícia Militar para prender os golpistas. Relatos dão conta de que o comandante da Força, Julio César de Arruda, e o ministro da Justiça, Flávio Dino, tiveram dura discussão naquele momento. A desmobilização do acampamento e as prisões ocorreram apenas no dia seguinte, quando muitos já haviam deixado o local. Arruda foi demitido do comando do Exército 13 dias depois.

Resumo das investigações

Veja uma cronologia das investigações, denúncias e prisões, um mês após os ataques:

8 de janeiro

  • Primeiros pedidos de prisão: AGU pede ao Supremo a prisão do ex-secretário de Segurança Pública Anderson Torres e a dissolução de acampamentos nas imediações de unidades militares.
  • Governador afastado: STF afasta Ibaneis Rocha do cargo de governador do Distrito Federal.

9 de janeiro

  • Apuração sobre conduta da PM: Procuradoria da República no Distrito Federal abre apuração sobre eventual omissão por parte do comando da Polícia Militar do DF.

10 de janeiro

11 de janeiro

  • Inquéritos contra deputados: Procuradoria envia ao Supremo pedidos de abertura de inquérito contra os deputados bolsonaristas diplomados André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE) e Silvia Waiãpi (PL-AP) por incitação aos atos. STF instaura os inquéritos dia 23 de janeiro.

12 de janeiro

13 de janeiro

14 de janeiro

  • Prisão de Torres: PF prende Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário da Segurança do DF.

16 de janeiro

19 de janeiro

  • Novo pedido de bloqueio de bens: AGU pede que o bloqueio de bens de pessoas físicas e empresas envolvidas nos atos seja ampliado para R$ 18,5 milhões. O pedido é atendido três dias depois.

20 de janeiro

23 de janeiro

  • Lesa Pátria, 2ª fase: PF prende golpista que quebrou relógio de D. João no Palácio do Planalto.

24 de janeiro

  • Pedido de bloqueio de bens chega a 92 pessoas: AGU apresenta terceira ação pela indisponibilidade de bens e direitos de envolvidos nos atos. São mais 40 pessoas, totalizando 92 pessoas, cinco empresas e duas entidades.

27 de janeiro

  • Novas denúncias: PGR amplia para 254 o total de pessoas denunciadas. Do grupo fazem parte tanto pessoas presas nas sedes dos três Poderes no dia dos atos de vandalismo quanto aquelas detidas na manhã seguinte no acampamento em frente ao QG do Exército.
  • Pedido de bloqueio de bens chega a 134 pessoas: AGU amplia para 134 pessoas, cinco empresas e duas entidades o número de responsabilizados pelos atos golpistas, seja por participar da depredação aos prédios (82) ou por financiar o fretamento de ônibus (52 pessoas, cinco empresas e duas entidades).
  • Lesa Pátria, 3ª fase: PF mira vândalos envolvidos nos atos. Em Santa Catarina é presa Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza, conhecida nas redes como Fátima de Tubarão.

3 de fevereiro

  • Lesa Pátria, 4ª fase: Mais uma ação da PF contra envolvidos nas depredações dos Três Poderes. Um dos presos é Lucimário Benedito Camargo, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Rio Verde (GO), conhecido como Mário Furacão, que gravou um vídeo durante a invasão do Palácio do Planalto.

4 de fevereiro

  • Denúncias miram 653 pessoas: PGR envia ao Supremo nova leva de pedido de ação penal e contabiliza 653 denunciados pelos atos golpistas.

7 de fevereiro

Fonte: Folha de SP (acesse aqui)

Autor: Marcelo Rocha e Fabio Serapião

Publicado em: 08/02/2023