Senador revela plano para prender Alexandre de Moraes e impedir posse de Lula. Depois recua, mas haverá investigação.
O senador Marcos do Val concedeu uma entrevista bombástica à revista Veja acusando o ex-presidente Jair Bolsonaro de incitá-lo a participar de um golpe de Estado.
A proposta teria sido feita pelo então deputado Daniel Silveira no início de dezembro de 2022. Em reunião secreta no Palácio da Alvorada, Bolsonaro pediu que ele agendasse uma conversa com o ministro Alexandre de Moraes. A conversa seria gravada com equipamentos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que, segundo Do Val, estava a par do plano. Numa live com o MBL, no dia anterior à publicação da entrevista, o senador foi ainda mais enfático e disse ter sido “coagido” pelo presidente a participar da trama.
A ideia era usar a gravação como pretexto para prender Moraes, anular as eleições e manter Bolsonaro no poder. O relato é compatível com o teor da minuta de decreto de Estado de Defesa encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que previa intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a possibilidade de alterar o resultado das eleições por meio de uma comissão de maioria militar e controlada por Bolsonaro. As peças se encaixam formando o desenho do complô golpista.
Outra versão
Dias depois da primeira “denúncia”, Do Val se encontrou com o senador Flávio Bolsonaro e mudou a sua versão. O próprio Flávio, em discurso no Senado, afirmou que o pai apenas escutou a proposta, apresentada por Daniel Silveira.
Por essa nova versão, o encontro não mais aconteceu no Palácio da Alvorada, e a ideia de gravar Moraes não mais contava com o apoio do GSI.
“O que há em comum tanto na versão original da história como na versão revisada é a reunião reservada entre Bolsonaro, Silveira e Do Val em que se discutiu um plano para gravar Moraes e usar a gravação para prendê-lo e reverter o resultado das eleições. Nem mesmo Flávio Bolsonaro nega que essa conversa tenha acontecido. E isso, por si só, é gravíssimo”, escreve Pablo Ortellado, na Folha.
Alexandre de Moraes determinou abertura de investigação contra Marcos do Val.
Ligações com o 8 de janeiro
As pistas, se verdadeiras, colocariam o ex-presidente Bolsonaro, Silveira, o general Heleno (então ministro-chefe do GSI) e o então ministro da Justiça, Anderson Torres, como articuladores da tentativa de golpe de Estado.
Alguns desses personagens reaparecem nos eventos de 8 de janeiro. A invasão das sedes dos Três Poderes, acompanhada de sabotagem na distribuição de energia e combustíveis, tinha como intenção produzir uma convulsão social que justificasse a intervenção das Forças Armadas. No auge da crise, o presidente Lula chegou a receber de seu ministro da Defesa, José Múcio, a sugestão de convocar uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que daria aos militares o poder de “controlar” a situação. Evitou a armadilha e impôs o poder civil na Segurança Pública do DF.
Anderson Torres, que havia assumido a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal no dia 2, exonerou quase todo o comando das polícias e ainda viajou para os Estados Unidos às vésperas da mais que anunciada invasão (de volta ao Brasil, seria preso no dia 14).
O GSI também agiu para garantir que a invasão acontecesse: 20 horas antes da chegada dos golpistas, foi dispensado todo um batalhão da Guarda Presidencial, cuja missão é defender o Palácio do Planalto. O GSI não estava mais sob comando do general Heleno, mas a equipe ainda era essencialmente a mesma.
Bolsonaro, beneficiário direto do golpe, nunca condenou as aglomerações nos quartéis onde a invasão foi gestada.
O plano atual: tumultuar
A mudança de versões e a aliança não rompida do senador com a família Bolsonaro imediatamente despertaram desconfiança geral sobre as intenções de tal “denúncia”, que logo se comprovaram: diante da reação de Alexandre de Moraes à notícia da trama, Marcos Do Val passou a dizer que o ministro mente e foi à Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por aliados de Bolsonaro, para pedir seu afastamento dos inquéritos que comanda, apurando crimes do bolsonarismo.
A abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as tentativas de golpe também interessaria aos bolsonaristas, ao criar tumulto, prolongar a crise e abrir a oportunidade de alimentarem a mídia com novas mentiras e acusações contra o Judiciário, Lula e Flávio Dino, por supostas ações e omissões no 8 de janeiro.
Fonte: O Globo (acesse aqui)
Autor: Pablo Ortellado
Publicado em: 04/02/2023