Relatório militar descarta fraude mas fala em “risco”

Texto abre brechas para conspirações de extrema-direita. Diante da frustração dos golpistas, nova nota reforça suspeitas.

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Depois de anos alimentando sem provas a teoria conspiratória de que o processo eleitoral brasileiro não é confiável – e de que até mesmo sua eleição em 2018 teria sido fraudada (impedindo-o de ganhar no primeiro turno) – Jair Bolsonaro não poderia sair de mãos abanando da “auditoria” militar sobre a lisura do resultado em 2022, quando enfim foi derrotado. Ou poderia, se as Forças Armadas não se prestassem ao vergonhoso papel de cúmplices da narrativa mentirosa de fraude nas urnas.

Depois de dez dias de silêncio – durante os quais todos os órgãos fiscalizadores (como TCU, OAB e observadores internacionais) chancelaram a absoluta lisura das eleições – o Ministério da Defesa, comandado pelo general bolsonarista Paulo Sérgio Nogueira, divulgou um relatório com os resultados de sua fiscalização. Nele, não aponta qualquer inconformidade na apuração dos votos, mas volta a insinuar que o sistema não é confiável, dando combustível aos golpistas acampados em frente aos quartéis em todo o Brasil.

Assim escreveu Miriam Leitão, em O Globo: “O Ministério da Defesa foi ambíguo como eu tinha dito que seria. E foi pusilânime. Em seu relatório disse que não investigou crime eleitoral. Como se tivesse essa prerrogativa. Mas insinuou, deixou pontas no ar, exatamente como foi determinado pelo presidente Bolsonaro que fizesse. Falou em um ‘relevante risco à segurança do processo’ e que ‘não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento de eventual código malicioso’. O relatório é malicioso”.

“Sem essa ambiguidade do documento, que ninguém levou a sério e que serve apenas para Bolsonaro alimentar teorias conspiratórias junto a seus fanáticos, o presidente se sentiria ainda mais humilhado”, reforça Reinaldo Azevedo no UOL. “Ocorre que, para fazer a vontade do derrotado, quem que se submete ao vexame é o Ministério da Defesa e, ainda que indiretamente, também as Forças Armadas. Havendo ainda cabeças sensatas que vestem uniforme, eis aí um momento que deveria ser considerado emblemático do desastre reputacional que pode colher uma instituição permanente do Estado quando se mete com política”, completa.

Nova nota para agradar extremistas

A ambiguidade e a malícia inseridas no relatório não foram bem codificadas pelos apoiadores de golpe militar. “Tomamos chuva à toa?”, perguntou um deles, viralizando nas redes sociais como síntese do sentimento de frustração depois de dez dias aguardando uma “intervenção federal” do Exército motivada pela comprovação de fraude nas urnas.

Nas redes bolsonaristas, o clima é de indignação e perplexidade, o que pode ajudar a dissipar o movimento golpista e dividir a extrema-direita. Um dos discursos muito replicados foi a rejeição ao termo “bolsonarista” usado pela mídia para defini-los. Descolando-se do líder (que teria apenas lhes “aberto os olhos”), essa corrente defende mobilização constante por um golpe militar.

A decepção com o relatório, porém, murcha até a confiança nas Forças Armadas como agente capaz de enfrentar o “comunismo” e ameaças imaginárias do gênero. Em resposta à frustração dos extremistas, no dia seguinte à divulgação do documento o Ministério da Defesa soltou nova nota, reforçando a mensagem de desconfiança sobre as eleições:

“O acurado trabalho da equipe de técnicos militares na fiscalização do sistema eletrônico de votação, embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022. (…) Não é possível assegurar que os programas que foram executados nas urnas eletrônicas estão livres de inserções maliciosas que alterem o seu funcionamento”.

O episódio deixa claramente indicado o golpismo presente em parte das forças militares, que assim se junta ao movimento extremista alimentado por teorias da conspiração financiadas via redes sociais e pelo neofascismo internacional.

Fonte: UOL (acesse aqui)

Autor: Carla Araújo, Felipe Pereira, Rafael Neves e Amanda Rossi

Publicado em: 11/11/2022