“O QUE SERÁ DAS CONCENTRAÇÕES, COM MUITO FANÁTICO ARMADO DE UM LADO E OUTRO DO MURO?”

Jânio de Freitas – Folha de S. Paulo – 11/12/22

O golpismo latente no meio militar não será resolvido com as vagas promessas de “despolitização” das Forças Armadas, feitas pelo ministro da Defesa escolhido por Lula.

O veterano jornalista Jânio de Freitas analisa o contexto de tensão reconhecido por José Múcio Monteiro – que fala abertamente do risco de golpe, mas acha que “os dias mais difíceis” serão estes que nos separam da posse. Jânio discorda: sem ser enfrentada em sua raiz, a insubordinação militar seguirá como fator de ameaça à democracia.

Disciplina e hierarquia?

Se a disciplina e a hierarquia fossem os princípios essenciais dos militares, como dizem todas as intenções de caracterizar a vida das casernas, não se explicariam a atualidade nem o tumultuado percurso da República, nascida já da insubordinação contra os poderes constituídos.

Despolitizar é militarizar

O ministro designado considera sua prioridade a despolitização das casernas.

A despolitização não é suficiente, no entanto, nas circunstâncias latino-americanas e, em especial, nas brasileiras. Se imposta, a despolitização não perdura. É frágil diante da máquina de indução de condutas possuída pelos interesses contrários aos aspectos sociais e culturais da democracia.

Os militares devem ao país um esforço sincero para atualizar sua mentalidade e seu papel, ainda encravados na Guerra Fria, na propaganda antigetulista, na onda de ditaduras militares. A politização que se sobrepõe à função militar autêntica tem a ver com esse quadro mofado.

Despolitizar de verdade é militarizar os militares. Inclusive em suas especialidades.

Que fim terão os golpistas?

José Múcio associou, diversas vezes, a palavra golpe às concentrações aceitas pelos comandos militares, quando não incentivadas, na frente de suas instalações.

Os futuros comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica estarão no mesmo teste em que José Múcio entrará logo ao tomar posse: o que será das concentrações, com muito fanático armado de um lado e outro dos muros? Não são manifestações no uso do direito de externar opinião, como militares têm dito para acobertar sua conivência.

São fomentadores de um golpe contra a Constituição, contra o resultado de eleição reconhecidamente legítima, contra o Judiciário e contra a não-violência. São criminosos, todos. Em ação incompatível com governo democrático.

Os dias de dificuldade sem precedente, pressentidos por José Múcio Monteiro, não vão só até a posse.

Fonte: Folha de SP (acesse aqui)

Autor: Jânio de Freitas

Publicado em: 11/12/2022