O extremismo trumpista e suas lições para o Brasil

Pesquisa mostra que milhões de norte-americanos defendem o uso da violência para obter vitórias políticas. Incitação dos líderes é barril de pólvora.

PM atira em fiel de igreja que questionou o discurso político do pastor. Bolsonarista mata petista em festa de aniversário. Juiz que decretou prisão de ex-ministro da Educação tem o carro atacado. Drone despeja fezes em manifestantes de esquerda. Bomba caseira é lançada em comício de Lula.

A multiplicação de episódios de violência política reflete o ambiente de ódio e intolerância que domina a esfera pública nacional e não vai desaparecer após as eleições, seja qual for o resultado.

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo em julho, os pesquisadores Luís Carlos Petry e Rudá Ricci comentam o “caldo de cultura de violência” instalado no Brasil, que chamam de “terrorismo estocástico”: uma legião de fanáticos, alimentados por bolhas extremistas, se vê convocada a transformar em ação o discurso de ódio propagado por líderes políticos. No Brasil, é claro, esse líder é Bolsonaro. Nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump, derrotado na tentativa de reeleição, continua fomentando seus seguidores a agirem “contra o sistema”. E o discurso segue eficaz.

No UOL, Daniela Pinheiro comenta uma série de estudos da Universidade de Chicago sobre o crescimento da violência política nos Estados Unidos. Um dos levantamentos recentes revela: entre 15 milhões e 20 milhões de norte-americanos concordam que o uso da violência se justificaria se isso levasse Trump de volta à Presidência. Entre eles, 8 milhões possuem armas de fogo próprias, 6 milhões apoiam organizações de extrema-direita, como os Proud Boys, e 2 milhões têm passado militar.

“O motim do Capitólio revelou uma nova força na política norte-americana. Não apenas uma mistura de organizações de direita, mas um movimento político de massa, que tem a violência em seu cerne, e que floresce mesmo onde Biden tem a maioria”, escreveu o cientista político Robert Pape, que coordena os estudos.

Os pesquisadores analisaram o depoimento dos quase 400 presos no dia da invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. “Quase nenhum deles tinha ligação com partidos ou movimentos políticos, nem eram um bando de caipiras ligados à extrema-direita. Era gente comum: 95% eram brancos, 85% homens e, muitos deles, residentes em áreas dominadas pelos democratas. É gente com vida estabelecida, que decidiu sair de casa — topando todos os riscos envolvidos —, para tocar o terror na sede do poder ao lado de extremistas”, comenta Daniela Pinheiro.

“O filósofo Marcos Nobre, presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), tem repetido: a derrota nas urnas não vai acabar com o bolsonarismo, que seguirá mobilizado e organizado, atuando como ‘oposição desleal’ e antidemocrática, se o atual presidente não for reeleito”.

“A sugestão de Robert Pape para conter a tragédia da violência política passa por uma ação conjunta dos lados polarizados. Que começasse por rejeitar apoio político e financeiro de extremistas, que condenassem ao ostracismo qualquer correligionário que defendesse atos violentos”.

Guardadas as diferenças entre os sistemas políticos dos dois países, não é prudente desconsiderar o que há em comum na estratégia da extrema-direita internacional. A tentativa de assassinato de Cristina Kirchner, na Argentina, por um neonazista, é o mais recente sinal de alerta.

Espera-se das instituições e da sociedade civil que se tomem todas as providências necessárias para evitar atos extremistas antes e depois das eleições. Os democratas brasileiros têm o dever de adotar medidas preventivas e punitivas para arrefecer os nichos de ódio e violência que continuarão a ser fomentados mesmo depois de eventual derrota do líder nas urnas.

Também será decisivo processar e punir aqueles que, desde a ascensão de Bolsonaro, financiam e participam de atos antidemocráticos e propagam discursos de ódio. Sobretudo, claro, o líder do movimento. Estará o Brasil à altura dessa missão histórica pela preservação da sua democracia?

Fonte: UOL (acesse aqui)

Autor: Daniela Pinheiro

Publicado em: 03/09/2022