“NÃO QUEREMOS QUE A HISTÓRIA SE REPITA, NEM COMO FARSA NEM COMO TRAGÉDIA, E ISSO QUASE OCORREU NO 8 DE JANEIRO.”

Maria Elizabeth Rocha, ministra do STM – The Intercept Brasil – 27/02/23

Ministra indicada por Lula em 2007 para compor o Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha é a única mulher e compõe o grupo minoritário de cinco civis entre os 15 integrantes da Corte.

Declaradamente feminista e a única mulher a ocupar (interinamente) a presidência do STM nos mais de 200 anos da instituição, ela defende a punição exemplar dos militares envolvidos nos ataques às instituições em 8 de janeiro e diz que a completa despolitização das Forças Armadas é o único caminho para o país.

“Não queremos que a história se repita, nem como farsa nem como tragédia, e isso quase ocorreu no 8 de janeiro.”

Para quê STM?

A Justiça Militar tem por função garantir a hierarquia e a disciplina nos quartéis, porque homens armados, investidos do monopólio da força legítima pelo próprio Estado, têm de ser rigorosamente controlados. Do contrário, a sociedade é que corre riscos, porque diante dos eventuais excessos que sejam cometidos e eventuais desvios que possam ocorrer, tem de haver uma justiça para punir com rapidez e celeridade. A nossa justiça é uma justiça célere, de forma que a indisciplina não se alastre pelos quartéis.

Os militares, ao contrário dos civis, têm os seus direitos fundamentais cerceados, diminuídos, exatamente por causa da função e do papel que eles ocupam dentro do Estado. Não podem se sindicalizar, os militares não podem fazer greve, não podem ter filiação político partidária. Não podem, por consequência, se candidatar a cargos políticos enquanto estiverem na ativa. Isso tudo para evitar que a política entre nos quartéis.

Despolitizar as Forças

A politização foi referendada pelo governo anterior. O que houve foi também uma alocação de militares em postos que, em tese, os civis deveriam ocupar nos ministérios e nos órgãos públicos.

É fundamental que haja uma despolitização das Forças Armadas. É fundamental que o poder civil seja aquele que comande as Forças Armadas, que comande o poder militar para que o Estado tenha um funcionamento saudável. Todos nós que estudamos o direito militar, que estudamos o funcionamento das Forças Armadas, todos nós, juristas e cientistas políticos, estamos convictos que não há outro caminho a seguir a não ser este.

Definição da competência

[A entrevista foi publicada às vésperas da decisão de Alexandre de Moraes de retirar do STM o julgamento dos militares envolvidos nos atos golpistas]

Em tese, nós teríamos sim a competência para julgar os militares que participaram dos atos de vandalismo no dia 8 de janeiro. A questão é que existem outras nuances que podem interferir na distribuição da competência.

Uma delas é o que nós chamamos de conexão. A conexão é a junção de processos onde réus que têm foro por prerrogativa de função, no caso, foro no Supremo Tribunal Federal. Que sejam denunciados em primeiro lugar e atraiam a competência para o STF.

Outro ponto é a chamada prevenção. Um juiz se torna prevento para atuar dentro de determinado processo quando pratica os atos iniciais, mesmo antes do oferecimento da denúncia. É o caso do ministro Alexandre de Moraes.

Uma terceira discussão considerará se esses crimes são políticos ou não. Porque o direito não é matemática. Alguns autores entendem que, depois da revogação da famigerada Lei de Segurança Nacional, os crimes políticos no Brasil foram totalmente revogados: existem crimes que ameaçam o Estado Democrático de Direito e que foram editados dentro do Código Penal comum. Então seriam considerados crimes comuns e não crimes políticos. Outros autores entendem que há sim crimes políticos. Inclusive a própria Constituição fala em crimes políticos. Se os consideramos crimes políticos, a tramitação é completamente diferente: eles vão ser julgados pela Justiça Federal de primeira instância, com recurso ordinário constitucional para o Supremo Tribunal Federal.

O que eu quero dizer com isso é que, se você considerar esses crimes de 8 de janeiro como crimes políticos, as possibilidades recursais são menores do que se não considerá-los.

Fonte: The Intercept Brasil (acesse aqui)

Autor: Cecília Oliveira

Publicado em: 27/02/2023