Vinícius Torres Freire – Folha de S. Paulo – 09/01/23
Complô no DF
Mais do que omissa, a polícia do DF escoltou a horda do Quartel-General do Exército até a Praça dos Três Poderes. Policiais batiam papo e tiravam fotos com os bolsonaristas.
Os responsáveis imediatos pela facilitação da baderna subversiva são Ibaneis Rocha (MDB), governador do DF, e seu chefe de polícia, Anderson Torres, ministro da Justiça do governo golpista de Jair Bolsonaro. Ibaneis, que chamou os terroristas de “manifestantes”, demitiu Torres depois que a imundície estava derramada. À noite, ele próprio foi afastado do cargo.
A polícia do DF e Ibaneis já haviam demonstrado que tipo de gente são quando reagiram de modo mole e inepto à tentativa de invasão da Polícia Federal em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula, e à tentativa de ataque terrorista de 24 de dezembro, no aeroporto de Brasília.
Bolsonaro, generais e Aras
A obra, no seu conjunto, porém, é de Bolsonaro, seus generais da reserva e da ativa, de parte das Forças Armadas, do procurador-geral, Augusto Aras, leniente com a escalada golpista incentivada pelo governo de trevas, e de empresários que financiam os subversivos faz anos.
Bolsonaro e seus cúmplices imediatos, Augusto Heleno e Braga Netto, devem ser processados por incitações, campanhas e atos que culminaram nessa onda de terrorismo. As Forças Armadas toleraram, pelo menos, o ajuntamento de terroristas diante de seus muros. Previsível. Ao menos desde 2018, atropelam a Constituição com discursos entre inconstitucionais e golpistas.
Tolerância alimentou subversão
Desbolsonarizar significa o fim da tolerância com o projeto golpista. Um motivo do levante de domingo ou do risco de coisa ainda pior foi a aceitação desapercebida ou interessada da campanha subversiva. A tolerância incentivou a adesão à causa e a infiltração institucional.
Não houve processo de impeachment de Bolsonaro nem punição para seus generais. Quase nenhum golpista foi processado, afora figuras menores ou caricatas. A desídia da Procuradoria-Geral da República ficou sem punição — há tempo ainda de submeter Augusto Aras e colaboradores a impeachment. A contenção judicial da subversão ocorre por meio de gambiarras no Supremo.
Não se tomou atitude em relação a intervenções políticas das Forças Armadas. Oficiais participaram dos ataques de domingo. Muitos fazem propaganda do golpismo em rede social. É preciso dar um fim, com punição pesada, a qualquer manifestação militar sobre política.
Empresários financiam faz anos os comícios autoritários. Até anteontem, expoentes do empresariado de institutos liberais incentivavam ajuntamentos golpistas de porta de quartel, agora terroristas. Líderes de entidades de classe de elites profissionais apoiaram o motim.
Os bolsonarismos pareciam instrumentos úteis para projetos de poder de elites em geral, que normalizaram o monstro desde 2017. A partir de 2020, em especial em agosto de 2022, a elite mais civilizada acordou. Foi pouco e tarde.
Desbolsonarizar o Brasil
O destino da democracia depende de um processo de desbolsonarização. Trata-se de dar cabo do projeto de solapar ou suprimir a república (eleições livres, separação e autonomia de Poderes, direitos civis e políticos).
O bolsonarismo é também uma seita fanática, messiânica, não raro adepta da violência política. É um ressentimento sociocultural reacionário (machistas e inimigos em geral da diversidade humana, aversão ao debate público racional e às instituições da ciência etc.).
É ainda um modo pelo qual certos grupos sociais procuram obter mais poder: líderes do partido religioso e militar, empresários “liberais”, o agro ogro. É um meio para grupos criminosos se enraizarem politicamente (garimpeiros, grileiros, desmatadores, milícias, exterminadores de indígenas e de lideranças populares); meio de suprimir movimentos sociais.
Basta
É preciso estabelecer que a propaganda da violência política é um crime constitucional, com penas pesadas. Jamais foi assim e, portanto, a este ponto chegamos.
Leis, instituições de investigação e vigilância, organizações militares, o Ministério Público, tudo deve ser revisto para que se contenha o projeto subversivo, com atenção especial para o funcionalismo armado ou com posição de relevo institucional. Vale para a violência política de qualquer cor ideológica, hoje amarela, amanhã sabe-se lá qual.
Basta. É preciso investigar, processar e julgar todos os promotores da subversão, nas polícias, nos governos, na procuradoria-geral e nas Forças Armadas. Sem anistia.
Manifestos, repúdios ou reuniões simbólicas de autoridades da República não bastam. Precisamos de reforma institucional profunda. Quem vai leva-la adiante é o problema.
Fonte: Folha de SP (acesse aqui)
Autor: Vinicius Torres Freire
Publicado em: 09/01/2023