“Democrática violência das massas injustiçadas”

Na Revista do Clube Militar, generais da reserva defenderam golpe. Empossado Lula, falam em “guerra fria”.

“A história não perdoa os covardes”

Na última edição de 2022 da Revista do Clube Militar (outubro a dezembro), diversos artigos elogiam os bolsonaristas acampados em frente a quartéis, rejeitam o resultado das eleições e defendem intervenção militar para impedir a ameaça “comunista”.

Com o título de “A voz surda das ruas”, artigo de Marco Aurélio Costa Vieira — general da reserva e presidente do conselho editorial do Instituto General Villas Bôas — justifica assim sua defesa de um golpe militar: “o grito dos insatisfeitos com os acontecimentos hoje no Brasil, no sentido de uma quebra institucional, pode até parecer ilegal, mas é justo e justificado”.

A eleição teria sido um “processo fantasiado de democrático” e contra essa trama urdida por Congresso, Judiciário e imprensa os cidadãos “não têm a quem apelar”, por isso as manifestações bolsonaristas “são legais e democráticas”.

Vieira ainda assina um segundo artigo na mesma edição da revista, chamado “Tarda a hora dos patriotas”. No texto, escreve que “razões históricas e constitucionais o povo tem de sobra para apelar por uma intervenção militar”. Garante que as Forças Armadas “não vão abdicar de suas missões constitucionais, conforme o momento histórico se apresente” e chama os verdadeiros patriotas às suas “responsabilidades”, nas palavras dele, “porque se a espada é o eixo do mundo, a História não perdoa os covardes”.

E conclui: “O país está maduro e as Forças Armadas sabem do seu papel. Cabe ao Congresso, detentor de todos os poderes outorgados pelo voto – e às demais lideranças políticas – encontrarem uma saída constitucional para esse impasse, antes que a tentativa de mudar o significado das palavras de ordem ouvidas na voz das ruas desague na democrática violência das massas injustiçadas”.

Voto impresso

“Vocês merecem admiração, respeito, acolhimento e esperança”. Esse é o título do artigo do general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva naquela mesma edição da Revista do Clube Militar. Ele afirma que as manifestações de bolsonaristas após as eleições eram “legais, legítimas, pacíficas, espontâneas e plenas de espírito cívico e patriótico”. Diz que metade da população “não aceita ser governada por Lula”, afirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deveria ter adotado o voto impresso para “conquistar a confiança de toda a população” e usa o relatório do Ministério da Defesa para repetir suspeitas sobre o processo eleitoral.

Paiva anuncia que “haverá uma série de movimentos legais, legítimos e ordeiros, mas permanentes e afirmativos, que tornarão o governo inviável”, feitos por quem o militar chama de “nossos irmãos da Primavera Brasileira” – termo cunhado e divulgado pelo ex-estrategista de Donald Trump, Steve Bannon, para incentivar os extremistas brasileiros a não aceitarem a derrota de Bolsonaro.

“Inferno na terra”

Percival Puggina, jornalista, é o autor do texto “Às portas dos quartéis”. Nele, diz que “só resta à sociedade ir às portas dos quartéis, últimos canteiros de onde pode brotar sua esperança, porque a outra leva a bem conhecido inferno na terra.” O artigo é ilustrado com imagens de manifestações bolsonaristas na qual homens se ajoelham em frente a uma faixa de “o povo pede socorro ao Exército”.

A edição da revista também traz um artigo do comentarista da Jovem Pan Roberto Motta, chamado “Porque não sou de Esquerda”. No texto, ele critica o comunismo, socialismo e o que chama de “progressismo”.

“A Nossa Guerra Fria”

Dois dias antes dos ataques em Brasília, o Clube Militar enviou um email aos seus associados contendo outro artigo do mesmo general Marco Aurélio Costa Vieira, com o título “A Nossa Guerra Fria”.

O texto identifica a “intenção de estabelecer o comunismo e suas práticas no Brasil” e lamenta que a intervenção militar não tenha acontecido enquanto era tempo: “Recordamos que a intervenção militar foi descartada pelos detentores da violência institucional do Estado por motivos que a história um dia vai elucidar”.

Diante do fracasso do golpismo bolsonarista, defende outro caminho para as “hostes democráticas brasileiras”, que estariam exauridas “e sem a possibilidade de reação em força”: uma guerra fria permanente contra o comunismo. “É a experiência histórica que nos aponta a solução estratégica: uma organizada e sistemática ‘guerra fria nacional’”.

“Se ainda acreditamos na importância dos valores democráticos, guerra é a palavra por onde devemos começar”.

Fonte: Agência Pública (acesse aqui)

Autor: Bruno Fonseca

Publicado em: 31/01/2023