As Forças entre chantagem e conspiração

Ameaças ao governo eleito são barganha por poder e benefícios, mas há oficiais francamente golpistas.

Em reportagem de capa, a Carta Capital traz um bom panorama da tensão que envolve as Forças Armadas em relação à volta de Lula à Presidência da República.

“A insistência de bolsonaristas em colocar em xeque o resultado das eleições dá a dimensão do mal-estar entre os eleitos e as Forças Armadas”.

Ameaças de todo lado

Não faltam vozes fardadas, em público e nas inflamadas redes sociais, a jogar gasolina no golpismo e atiçar o terrorismo dos manifestantes com promessas de que a posse não será aceita sem reação violenta.

O comandante da 10ª Região Militar, general André Luiz Campos Allão, discursou para a tropa, no Ceará, recomendando a proteção aos “patriotas” defensores do golpe e pregando a desobediência a determinações judiciais: “O Mal vai ser vencido com o Bem”.

O general da reserva Hamilton Mourão, vice-presidente e eleito senador, decidiu abraçar sem pudor o discurso radical e anacrônico das Forças em luta contra o comunismo que estaria ameaçando o Brasil.

Outra estrela do golpismo bolsonarista, o general Braga Netto lidera em Brasília um QG para apoiar os atos antidemocráticos: “Não percam a fé”.

Em resposta aos ataques mentirosos contra as urnas, o ministro Alexandre de Moraes encaminhou à Procuradoria Geral da República (PGR) pedido de afastamento do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, para ser investigado por crime de responsabilidade.

As teorias conspiratórias verde-oliva também são fermentadas por civis de currículo comprometedor, como Augusto Nardes. Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) e mentor da tese das “pedaladas fiscais” que permitiu a derrubada de Dilma Rousseff, Nardes mandou um áudio em grupo de whatsapp garantindo ter conversado “longamente” com Bolsonaro e prometendo para “questão de horas, dias, no máximo uma semana ou duas, talvez menos” a ocorrência de “um desenlace bastante forte na nação” com consequências “imprevisíveis”. Ameaçado de processo, tirou licença médica.

Recado de Lula

“Não me deixo basear por futricas ou tuítes. As Forças Armadas têm um dever constitucional e irão cumpri-lo, como cumpriram no meu primeiro mandato”, respondeu o presidente eleito ao ser indagado sobre a postura dos militares. “O comando militar está tranquilo, me conhece. No momento certo, vou indicar quem será o comandante da Marinha, quem será o comandante da Aeronáutica, quem será o comandante do Exército. E aí o Brasil também vai voltar à normalidade nas relações entre governo e Forças Armadas”.

Chantagem ou golpismo de fato?

Por trás da gritaria, há chantagem: “Em resumo, os fardados almejam um salvo-conduto e gostariam de um processo lento, gradual e seguro de ‘desmame’ da máquina pública” (onde militares ocupam quase 7 mil cargos), querem um ministro da Defesa “de sua confiança” e manter investimentos e regalias obtidos após a queda de Dilma.

Mas não só. “Um grupo de oficiais não considera a democracia brasileira válida ou que a Nova República tenha sido um avanço e trabalha muito claramente para minar sua estabilidade”, afirma o historiador Francisco Carlos Teixeira, criador do recém-lançado Dicionário de História Militar do Brasil.

Ele compara a situação atual ao contexto de 1977, quando o então ministro do Exército, Sylvio Frota, encabeçava a linha dura da repressão, que resistia à abertura liderada pelo presidente Ernesto Geisel. “Uma das figuras importantes naquele momento foi o oficial de gabinete de Frota, o então capitão Augusto Heleno, hoje no ­entourage de Bolsonaro. Ele faz parte de um núcleo duro no Exército que nunca aceitou a Nova República”.

“Braga Netto deveria estar preso”

“Acho que o Braga Netto deveria estar preso há muito tempo. Ele incita o golpe. É também extremamente grave que o comandante da 10ª Região Militar ainda não tenha sido preso ou punido”, diz um oficial próximo ao Alto-Comando.

“Embora tentem esconder os fatos, os comandos foram cúmplices do ex-capitão. A lista de crimes e desvios éticos é extensa”. Mas a reação, se houver, ficará a cargo do Judiciário, não do governo: “Os abusos seriam suficientes para uma ampla limpeza no oficialato, mas não é o que se deve esperar de Lula: não está prevista a revisão de benefícios concedidos por Bolsonaro, entre eles a possibilidade de obter aumento no salário por meio de cursos”.

Retirar os fardados da máquina pública, por outro lado, será essencial para a credibilidade do novo governo. “Vai haver ranger de dentes, isso me parece claro, principalmente porque muitos se acostumaram a um padrão de vida superior àquele oferecido pelas Forças Armadas. É uma questão difícil, mas é evidente que o Brasil não pode ­continuar sitiado”, comenta Francisco Carlos Teixeira.

Fonte: Carta Capital (acesse aqui)

Autor: Maurício Thuswohl e Sergio Lirio

Publicado em: 24/11/2022