Depois das Forças Armadas decidirem auditar votos em uma amostra de urnas, o tribunal se apresenta como fiscal da fiscalização.
A legislação eleitoral brasileira não deixa espaço para dúvidas: o responsável único e insubstituível pela contagem e totalização dos votos é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a partir dos dados enviados por seus representantes regionais, os TREs.
Nestes tempos de ataques sistemáticos ao processo eleitoral, porém, a democracia dá passos para trás. Primeiro foram os militares, que não satisfeitos em aderir às mentiras lançadas por Jair Bolsonaro contra o sistema de votação e tumultuar a comissão de transparência criada pelo TSE, anunciaram uma inédita apuração paralela dos votos de uma amostra de 385 urnas. Em reação, agora é o Tribunal de Contas da União (TCU) que anuncia uma “auditoria em tempo real” de 540 urnas espalhadas pelo país.
O TCU já tinha decidido inspecionar 4.161 urnas, com divulgação dos resultados em novembro. A nova forma de auditoria, mais ágil e em amostra menor, teria o objetivo de “fiscalizar” a apuração paralela feita pelas Forças Armadas. “A divulgação deste procedimento só acontecerá caso haja contestação pública da apuração oficial feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”, informa reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.
A operação contará com ao menos 111 auditores. Em cada estado e no Distrito Federal, dois técnicos irão a 20 locais de votação selecionados aleatoriamente para registrar os boletins de urna, que depois serão comparados com os resultados divulgados pelo TSE.
Segundo a reportagem, a iniciativa visa atestar a segurança do processo eleitoral em caso de contestação por parte das Forças Armadas, que se recusam a divulgar os critérios amostrais adotados. “É importante que uma instituição como o TCU se pronuncie em caso de alguma intercorrência”, afirmou o presidente interino do órgão, Bruno Dantas.
Em vez de dar mais confiabilidade ao processo, porém, a medida pode tornar tudo ainda mais incerto. Se os resultados do TCU forem diferentes da checagem das Forças Armadas, o cidadão brasileiro deverá escolher em qual instituição acredita mais? E não haverá também bolsonaristas radicais entre os auditores do TCU? Basta um boletim de urna supostamente incorreto para alimentar as conspirações de fraude nas redes sociais e detonar a revolta nas ruas. Como pergunta o podcast Medo e Delírio em Brasília: agora quem fiscalizará o fiscal da fiscalização? Quanto mais instituições participam do processo, com equipes, métodos e técnicas diferentes, maior o risco de surgirem narrativas mal intencionadas. Em outras palavras, apurações paralelas são bem-vindas no universo paralelo segundo o qual, caso Bolsonaro não vença no primeiro turno, “houve algo anormal no TSE”.
A legislação eleitoral brasileira não deixa espaço para dúvidas: o responsável único e insubstituível pela contagem e totalização dos votos é o Tribunal Superior Eleitoral.
Fonte: Estadão (acesse aqui)
Autor: Weslley Galzo
Publicado em: 27/09/2022