Terroristas, articuladores e financiadores se encontraram diversas vezes com Bolsonaro na residência oficial.
Wellington da bomba
O terrorista Wellington Macedo de Souza, réu por arquitetar um atentado que pretendia explodir um caminhão-tanque nos arredores do aeroporto de Brasília na véspera de Natal, esteve no Alvorada por duas vezes em 2021. No dia 14 de abril, entrou às 7h24 e saiu duas horas depois, às 9h26. Um mês depois, em 11 de maio, passou um longo tempo: entrou às 7h43 e saiu somente no meio da tarde, às 15h53.
Ele chegou a trabalhar no então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, como assessor da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre fevereiro e outubro de 2019.
No mesmo 2021 em que esteve por duas vezes no Alvorada, foi preso por liderar e fomentar os atos antidemocráticos do 7 de setembro, tendo a soltura determinada em 15 de outubro pelo ministro Alexandre de Moraes. Um dos fatores que influenciaram a decisão foi o relatório de uma comissão da pasta de Damares, recomendando o envio de Wellington Macedo para prisão domiciliar. A comissão não informou que o preso tinha tido ligação com a ministra de então.
No plano do atentado frustrado em 2022, o visitante de Jair Bolsonaro foi o responsável por levar o carro com a bomba até o local combinado e entregá-la para os comparsas. Caixa preta com acesso presidencial, Wellington Macedo está foragido.
“Ramiro Caminhoneiro”
Ramiro Alves da Rocha Cruz Junior, o “Ramiro Caminhoneiro”, é citado com frequência como um dos maiores mobilizadores dos atos antidemocráticos desde 2021. Na tentativa de golpe do 8 de janeiro, era o nome que dominou os grupos de Whatsapp e Telegram usados para a convocação de golpistas para irem a Brasília. De acordo com reportagem da Agência Lupa, variações em torno do nome aparecem 170 vezes nessas redes, sempre como organizador de caravanas.
Em 6 de agosto de 2021, “Ramiro Caminhoneiro” cruzou o portão do palácio às 7h53. Não há o registro com o horário de saída. Em 13 de janeiro de 2022, a entrada foi às 7h39, deixando o local às 8h37.
Em seu canal de Youtube, onde publica vídeos conclamando golpes, desafiando e ofendendo ministros do STF e especialmente Alexandre de Moraes, deixou claro no dia 3 de janeiro deste ano que algo estava para acontecer: “A coisa vai começar nos próximos dias”. Não satisfeito, legendou: “09/01/2023 em diante o Brasil vai parar”.
Foi candidato a deputado estadual pelo PL-SP, mesmo partido de Jair Bolsonaro, sem sucesso. “Ramiro Caminhoneiro” também tem registro de entrada no Palácio em 17 de abril de 2019, às 15h13. Na mesma hora, entrou o blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio (que, mesmo foragido, oferece advogados para os golpistas de 8 de janeiro).
“Ramiro Caminhoneiro” foi preso em 20 de janeiro pela Polícia Federal.
Barbudo e seu assessor
Durante seu mandato, o deputado federal Nelson Barbudo (PL-MT) fomentou o golpismo em vídeos e entrevistas, falando sobre “fraude nas urnas” e ameaçando um golpe militar quando, em 2020, o STF encaminhou à PGR pedido de busca e apreensão do celular de Bolsonaro.
Não há nenhum registro de entrada de Barbudo no Palácio da Alvorada, mas seu assessor parlamentar Rafael Klas Dal Bo esteve repetidas vezes na então residência de Jair Bolsonaro. Entre 2021 e 2022, foram 12 visitas.
Em agosto de 2021, Rafael Klas foi o anfitrião, na Câmara, do caminhoneiro Marco Antônio Pereira, o “Zé Trovão”, que prometeu uma guerra no mês seguinte, no 7 de setembro. Em entrevista, Klas emendou que “os guerreiros já estão aqui, estão se preparando, mas se Deus quiser vamos ter dias melhores nem que para isso a gente pague um certo preço”.
Ainda em agosto, o deputado federal Alexandre Frota (PROS-SP) enviou notícia-crime ao STF pela possibilidade de atos de violência marcados para acontecer nas manifestações da Independência. A peça afirma que o deputado Nelson Barbudo estaria organizando um protesto tendo como motes a “intervenção” no STF, a retirada de ministros da Corte e a “propagação de violência desmedida”. E cita também o assessor: “Como denunciado o Sr. Rafael Klas Dal Bo vem utilizando meios e materiais públicos da Câmara dos Deputados para fazer a divulgação e, mais ainda, a organização desta manifestação antidemocrática, convocando pessoas a comparecerem armadas”, afirmava.
O registro de entradas no Alvorada mostra que julho e agosto, os dois meses que antecederam o 7 de setembro daquele ano, concentraram o maior número de entradas de Rafael Klas no palácio ainda habitado por Jair Bolsonaro.
Empresário preso
Claudiney Assunção Albuquerque, dono da Rhema Viagens e Turismo, de fretamento de ônibus, está na lista dos 1.398 presos no dia 8 de janeiro. Em 15 de abril de 2021, ele registrou entrada no Palácio da Alvorada pelo portão principal, ao lado de Rivelino Assunção Albuquerque, com entrada às 7h40.
Voto impresso: laboratório do golpe
O dia 10 de agosto de 2021 é chave para entender as duas datas de 7 de setembro que viriam depois e o desfecho com o 8 de janeiro de 2023.
Naquela noite, a Câmara dos Deputados votaria a proposta de emenda constitucional que recriava o voto impresso, a falácia-bandeira à qual o ex-presidente se agarrou desde sempre para justificar eventual fracasso eleitoral, tumultuar, e, ato seguinte, dar o golpe institucional.
Mesmo sabendo que as chances de a ideia prosperar eram zero, Bolsonaro transformou o que todo ano era uma simples entrega de convite para autoridades irem a um treinamento militar em Formosa, a 80 quilômetros dali, em um desfile de tanques com o qual pretendia assombrar o país e intimidar os parlamentares, mas que virou chacota, dado o estado decadente dos fumacentos veículos.
De noite foi a vez dos caminhões, e Bolsonaro articulou pessoalmente o cerco ao Congresso. Estavam ali todos os personagens que seguiriam protagonistas da estruturação do golpismo nos anos seguintes: “Ramiro Caminhoneiro” havia se encontrado com Bolsonaro no Alvorada poucos dias antes, no 6 de agosto. Em diversos vídeos, prometia cercar o Congresso com a mobilização de caminhões e fazia bravatas contra parlamentares e contra o STF. Também foi antes daquela votação que o caminhoneiro “Zé Trovão”, Marco Antônio Pereira, visitou o Congresso tendo Rafael Klas como anfitrião.
Líder da Aprosoja
Outro protagonista do 10 de agosto de 2021 foi Antonio Galvan, principal líder do Movimento Brasil Verde Amarelo, que conta com cerca de 300 associações e sindicatos ligados ao agronegócio. O produtor de soja esteve no Alvorada em 16 maio, entre 11h42 e 12h45 (estivera também em 20 de fevereiro de 2019, às 12h25). Sua participação como financiador e agitador do dia da votação do voto impresso e na sequência a manutenção da mobilização para o 7 de setembro, fez com que 10 dias depois do 10 de agosto fosse alvo de busca e apreensão pela PF por liderar atos pregando a invasão do Congresso e a deposição dos ministros do STF. Foi apontado como um dos grandes líderes de arrecadação para financiamento dos atos. As investigações da PF miraram também a contabilidade da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), sob a suspeita de que a entidade, que tinha sido presidida por Galvan, tenha bancado parte dos atos. Próximo a Bolsonaro, chegou a ser candidato ao Senado no ano passado pelo PTB-MT, sem sucesso.
Ceagesp golpista
Em outubro de 2020, Bolsonaro deu uma tacada estratégica em seus planos golpistas: nomeou o coronel da reserva, Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, ex-comandante da Rota, presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). Órgão federal, é o principal entreposto de abastecimento do país e epicentro de concentração de caminhoneiros no Brasil.
O coronel promoveu total militarização da entidade, nomeando policiais para todos os postos chaves. A partir daí, passou a mobilizar apoio para atos golpistas pelo Brasil e centralizar a organização dos caminhoneiros.
Dois meses depois da nomeação do coronel, Bolsonaro compareceu a uma festa no entreposto. Com o pretexto de inaugurar a nova pintura da tradicional torre do relógio da sede, em verde amarelo, fez discursos golpistas.
No dia 22 de agosto de 2021, o coronel presidente da Ceagesp postou um vídeo com camisa da Rota conclamando “policiais veteranos” a “impedir a entrada do comunismo no país” e chamando os colegas a participarem dos atos do 7 de setembro. Que em São Paulo, naquele ano, ficou marcado pelo tom colérico e pelos xingamentos ao ministro do STF, Alexandre de Moraes.
Três dias depois do 7 de setembro de 2021, esteve no Alvorada (10/9), de 16h11 às 18h39.
É na Ceagesp também que “Ramiro Caminhoneiro” grava boa parte dos seus vídeos. No dia em que esteve na estatal, Bolsonaro aparece em um vídeo em meio a uma multidão, no pátio da sede, chamando “Ramiro Caminhoneiro” para perto dele. Depois, cobre o líder golpista com uma bandeira do Brasil.
Em diversas ocasiões, Ramiro, com a Ceagesp ao fundo dos vídeos, louva o entreposto e seu poder de mobilização. No dia 1º de dezembro de 2022, com Lula já eleito, da mesma Ceagesp, Ramiro faz ameaças e afirma que caminhoneiros vão parar e que Bolsonaro vai, “dentro das quatro linhas”, decretar o artigo 142 em razão do roubo nas eleições.
Fonte: Agência Sportlight (acesse aqui)
Autor: Lúcio de Castro
Publicado em: 18/01/2023