“O QUE FAZER PARA QUE, GRADUALMENTE, OS BRASILEIROS QUE ACREDITARAM NAS BRAVATAS DO BOLSONARISMO POSSAM TORNAR-SE CIDADÃOS REPUBLICANOS DE NOVO?”

Paulo Sérgio Pinheiro – UOL – 07/12/22

Para superarmos o bolsonarismo, não será suficiente adotar postura passiva de confiança no legalismo do Estado democrático de direito. O histórico do fascismo nos ensina que as instituições legais são destruídas quando, em nome da liberdade, há excessiva tolerância com movimentos que rejeitam a democracia.

Sob o governo Bolsonaro estivemos prestes a sucumbir, e as instituições não funcionaram a contento. A partir da posse Lula, precisaremos colocar em ação uma “democracia militante”.

É o que defende Paulo Sérgio Pinheiro, cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, coordenador da Comissão Nacional da Verdade e integrante da Comissão Arns.

Democracia militante

O conceito foi criado pelo filósofo e cientista político alemão Karl Loewenstein em 1937. Ele examina de que modo a democracia constitucional é capaz de proteger as liberdades civis e políticas, apontando as limitações das instituições democráticas para conter o fascismo de então. “A democracia e a tolerância democrática estariam sendo usadas para sua própria destruição. Sob a cobertura dos direitos fundamentais e do estado de direito, a máquina antidemocrática pode vir a ser construída e posta em marcha legalmente”, escreveu.

Ele lamenta “o exagerado formalismo do estado de direito que, sob o encantamento da igualdade formal, não julga adequado excluir do jogo os partidos que renegam a existência de suas regras”. A desobediência perante as autoridades constitucionais naturalmente tende a transbordar para a violência, que se torna nova fonte de “emocionalismo disciplinado”, no qual se fundam os regimes fascistas.

Não bastam, portanto, as normas formais: a sociedade e o Estado precisam manter-se ativos (“militantes”) na proteção intransigente à democracia e na prevenção a ataques que a enfraqueçam.

Instituições não funcionaram

“Ao contrário do que se alardeou, as instituições do Estado brasileiro não funcionaram diante da escalada de extrema direita com conteúdo neofascista, liderada pelo presidente da República. Essa desconstrução do estado de direito contou com a cumplicidade das Forças Armadas e com a inércia tanto da Procuradoria Geral da República, para processar os crimes de responsabilidade do presidente, quanto do Congresso Nacional, especialmente da Câmara de Deputados, que ignorou mais de uma centena de pedidos de impeachment”.

Derrotamos nas urnas o líder da extrema direita, mas após a eleição ainda enfrentamos “um inusitado cenário de veículos em chamas interditando estradas e milhares de cidadãos orando por intervenção militar nas portas dos quartéis. A autoridade que mais atuou na proteção do estado de direito e em resistência a esse movimento golpista foi o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com firmeza, ele rebateu os ataques da extrema direita antes, durante e depois das eleições; defendeu as urnas eletrônicas, enfrentou corajosamente a litigância golpista, articulou a atuação das Polícias Militares e da Polícia Rodoviária Federal contra os bloqueios de vias, aplicando multas e congelando ativos de financiadores das badernas”.

Como lembrou Camila Rocha na Folha, há também registros de vandalismo, saques, incêndios, sequestros, principalmente nos estados de Mato Grosso, Rondônia e Santa Catarina, “organizados e financiados por empresários ricos que atentaram contra a democracia, acobertados por generalizada impunidade por parte das autoridades estaduais”.

E agora?

Paulo Sérgio Pinheiro lembra que, após a diplomação de Lula, Alexandre de Moraes não deverá mais atuar de forma tão incisiva em resposta aos ataques contra a democracia, pois encerra-se oficialmente o ciclo eleitoral. Mas tais crimes continuarão.

Assim, “a sociedade e o Estado terão de definir de que forma a militância poderá ser exercida, na defesa da democracia, depois da nova era que começará em 1º de janeiro de 2023. Após quatro anos de pregação e práticas neofascistas, é urgente refletir: o que fazer para que, gradualmente, os brasileiros que caíram nessa esparrela da ‘intervenção militar’ e acreditaram nas bravatas do bolsonarismo possam tornar-se cidadãos republicanos de novo?”

Fonte: UOL (acesse aqui)

Autor: Paulo Sérgio Pinheiro

Publicado em: 07/12/2022