“O MODO DE AÇÃO DOS MILITARES É MINIMIZADO PORQUE FIZERAM ALGO QUE LHES É EXTREMAMENTE VANTAJOSO: BOTAR UM LARANJA PARA ABSORVER TODOS OS MALES.”

Piero Leirner – Folha de S. Paulo – 14/01/23

Em entrevista para a Folha, o antropólogo Piero Leirner, professor UFSCAR e que pesquisa as Forças Armadas há mais de 30 anos, evidencia a atuação golpista dos altos-comandos militares:

“As Forças Armadas, de certa forma, estão produzindo esse negócio há anos. Se, no dia seguinte ao segundo turno, o comandante do Exército se pronunciasse sobre a lisura das eleições e reconhecesse o resultado das urnas, uma vez que eles estavam inseridos no processo eleitoral, ele teria tirado o combustível desse movimento”.

“Os militares estavam dando o direcionamento desse movimento e sustentando esses acampamentos, mesmo que não fosse uma ordem direta. As pessoas que protagonizaram os ataques formavam um grupo heterogêneo, mas com uma variável comum: a tal família militar. Havia militares da reserva e parentes de militares entre eles.”

“É evidente que os generais estavam sabendo do que estava acontecendo e não fizeram nada para reverter o movimento. Esperaram acontecer.”

Laranja Bolsonaro

Os militares produziram Bolsonaro para que ele absorvesse, como uma espécie de para-raios, toda a pecha de radical. Tudo é feito em nome de “bolsonaristas radicais”. Mesmo os generais que começaram a produzir ameaças foram chamados de generais bolsonaristas. O uso desse adjetivo faz parecer que se trata de adesão pessoal, e não de projeto.

Mas a noção de indivíduo dentro da instituição militar é muito diferente da nossa – os civis que eles chamam de paisanos. Lá, o indivíduo está dentro de uma cadeia de comando. Ele não faz algo só da cabeça dele. É preciso autorização.

Produzir a desordem para depois se apresentar como os elementos que podem recompor a ordem é uma equação que precisa do Bolsonaro para funcionar.

Bolsonaro cumpriu essa função e se tornou uma espécie de agente operacional dos interesses militares. Ele fez isso de forma muito histriônica, o que camuflava a tomada da máquina do Estado pela máquina militar.

“Sem anistia” para quem?

“Sem anistia” para quem? Para as Forças Armadas, que entraram nesse processo de cabeça, ou para os ditos bolsonaristas? Parece perfeito para as Forças Armadas que elas surjam no papel de quem tolerará uma transição de regime em que o “sem anistia” simplesmente não toque neles e tudo recaia sobre o homem-bomba que criaram.

Sairão impunes

Só serão responsabilizados aqueles que os militares elegerem como instrumentos para gerar, por contraste, a isenção da instituição. Se é que isso vai acontecer. Não comprometer a cadeia de comando é uma prática secular no Brasil. Fizeram isso com a tortura.

Fonte: Folha de SP (acesse aqui)