Levantamento registra 324 casos de violência eleitoral em 2022: um a cada 26 horas. Quinze pessoas foram assassinadas.
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Luana Rafaela de Oliveira Barcelos, 12 anos, é mais uma vítima fatal da barbárie bolsonarista. Ela foi baleada com outras quatro pessoas quando comemoravam a vitória de Lula em uma garagem no bairro de Cintra, em Belo Horizonte. Pedro Henrique Dias Soares, 28 anos, também morreu, e três mulheres ficaram feridas. O assassino, Ruan Nilton da Luz, portava uma pistola calibre 9mm, outra calibre 380 e uma faca. Em sua casa a polícia encontrou outra arma de fogo e mais 500 munições. Ele tinha certificado de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC), mesmo com passagens anteriores pela polícia.
Segundo levantamento da Agência Pública, apenas no final de semana do segundo turno houve cinco assassinatos relacionados à política. No domingo, 30 de outubro, dia do segundo turno eleitoral, foram 36 casos de violência política, ao menos dez com uso de armas de fogo.
Desde o início da campanha foram registrados 15 homicídios e 23 tentativas, em um total de 324 casos de violência eleitoral analisados. Cerca de 40% dos agressores eram bolsonaristas e 7% apoiadores de Lula (em 57% dos casos não foi identificado o autor).
“Enquanto, até o ano de 2018, uma pessoa era vítima de violência política a cada 8 dias, a partir de 2019 os episódios de violência foram registrados a cada dois dias. Apenas o ano de 2022 já registra 247 casos – ou seja, um caso de violência política é registrado a cada 26 horas”, informa a publicação “Violência política e eleitoral no Brasil“, lançada pela Terra de Direitos e Justiça Global ao fim do primeiro turno.
“O acirramento da violência é crescente e segue um padrão consolidado antes mesmo do período eleitoral. Existe um discurso público contra determinados grupos de pessoas, vindo principalmente da autoridade máxima do país, que incentiva outros atores a reproduzirem a violência política e eleitoral”, comenta Gisele Barbieri, coordenadora de incidência política da Terra de Direitos.
Escalada fascista
Insuflada pela intolerância e agressividade do discurso bolsonarista, a escalada de violência política ecoa sombrios momentos de ascensão do fascismo em diferentes países e contextos da história.
O medo da violência é uma realidade generalizada: no primeiro turno, 67,5% dos eleitores disseram temer agressões por razão política e 9% cogitavam deixar de votar devido a esse risco, segundo o Datafolha.
Discursos desumanizadores do presidente contra a esquerda inflamam a agressividade dos seus apoiadores. Em 16 de setembro, por exemplo, Bolsonaro afirmou, em Londrina (PR), que “o único problema que nós temos aqui é o PT, composto de pessoas que vieram dos rincões, dos grotões, daqueles locais onde nada poderia sair dali a não ser esse tipo de gente”. No comício do dia 7 de setembro, no Rio, falou em “extirpar esse tipo de gente” e chamou o instituto de pesquisas Datafolha de “mentiroso”. Em diversos discursos, refere-se às eleições como “luta do bem contra o mal”, expressão repetida por apoiadores e pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em tom de pregação religiosa.
Alguns episódios de violência política nas eleições:
- Em 27 de outubro, em Curitiba (PR), a jornalista Magalea Mazziotti, foi atirada no chão e espancada por usar um adesivo de Lula.
- No dia 24 de outubro, um tiro foi disparado contra a varanda de um apartamento em Curitiba (PR) ornada com a bandeira do MST. No dia 23, tiros interromperam uma carreata da campanha de Lula no Rio Grande do Norte, com a presença da governadora Fátima Bezerra. No dia 9, foram disparados tiros contra o diretório estadual do PT em Cosmos, zona oeste do Rio de Janeiro. Ninguém se feriu. Carros estacionados foram alvejados por pedradas e tiros apenas por terem adesivos de Lula.
- Motorista de uma candidata a deputada estadual apoiadora de Lula, Ianário Pereira Souza Rocha foi executado por dois homens de moto enquanto aguardava do lado de fora de um evento de campanha em Fortaleza (CE).
- No dia 24 de setembro, ocorreram duas mortes. Em Cascavel (CE), Edmilson Freire da Silva entrou em um bar e perguntou quem ali votaria no PT. Diante da resposta afirmativa de Antônio Carlos SIlva de Lima, o atacou com uma facada nas costelas. Antônio Carlos foi levado ao hospital, mas não resistiu. Em Rio do Sul (SC), a vítima foi Hildor Henker, também esfaqueado em um bar. Ele usava uma camisa com a imagem de Bolsonaro e o assassino, segundo o delegado que investiga o caso, é simpatizante do PT.
- Em Recife (PE), um deficiente visual foi agredido por bolsonaristas em um vagão do metrô por usar um adesivo de Lula. Em João Pessoa (PB), participante de carreata para Bolsonaro partiu para cima de mulher com camiseta de Lula e tentou arrancar sua roupa. Em Osasco (SP), um homem invadiu o comitê de um deputado, revirou móveis e objetos e agrediu uma mulher. Disse que era bolsonarista e “destruiria o PT”. Em Brasília (DF), mulher com uma bolsa com a imagem de Lula foi espancada. Em São Gonçalo (RJ), uma mulher grávida foi derrubada por bolsonaristas ao panfletar para candidatos do PT. “Aqui é guerra!”, gritaram os agressores. Em Curitiba (PR), um médico bolsonarista ameaçou “dar um tiro na cara” de uma mulher que panfletava para candidata do PT. Assessor de deputado federal e candidato do PT foi golpeado na cabeça com uma barra de ferro em Manaus (AM).
- Em campanha em Montes Claros (MG), o deputado federal Paulo Guedes, do PT, teve o carro alvejado por três tiros. O atirador foi um policial militar. Na mesma cidade, dias antes um homem deu tiros para o alto, hostilizou e ameaçou cabos eleitorais que panfletavam para candidatos do PT. O agressor bolsonarista também foi um PM, afastado judicialmente da corporação.
- Em conversa de Whatsapp, fazendeiro mineiro se gabou de ter demitido três trabalhadores por serem “petistas” e disse que a prática é comum na região. “Os empregadores aqui, agora, a primeira coisa que pergunta é: ‘Você é petista ou bolsonarista’. Só pega petista depois que os bolsonarista tiver tudo trabalhando”. No final de agosto, a empresária, socialite e latifundiária baiana Roseli D’Agostini Lins pediu pelas redes sociais que agricultores “demitam sem dó” funcionários que votarem em Lula. Grandes empresários flagrados no Whatsapp defendendo golpe também defenderam a ideia.
- Uma jovem de 19 anos levou uma paulada na cabeça em um bar de Angra dos Reis (RJ), desferida por um bolsonarista que não aceitou críticas ao presidente. O homem a ofendeu aos gritos, foi retirado do bar e voltou com um pedaço de madeira. A jovem levou pontos na cabeça.
- Em Recife, uma janela com bandeira do PT foi atingida com dois tiros na madrugada de 21 de setembro. Outros três projéteis atingiram apartamentos abaixo. A polícia apura o caso.
- Em 20 de setembro, um pesquisador do Datafolha foi agredido com socos e chutes por dois bolsonaristas em Ariranha, interior paulista. Um dos agressores chegou a buscar uma peixeira em casa, mas foi contido no segundo ataque. O caso se junta a uma série de violências sofridas por pesquisadores do instituto. Apenas no dia 13 de setembro, o Datafolha registrou dez ocorrências em diferentes regiões do país. Em Goiânia, entrevistador foi empurrado por homem que se identificou como bolsonarista. No Sul, policial se declarou bolsonarista, conduziu o profissional à viatura e o interrogou. Em Belo Horizonte, quatro homens perseguiram uma entrevistadora, chamando o Datafolha de comunista e esquerdista. Ela correu, caiu e machucou o joelho.
- Em visita a Londres sob o pretexto de prestar condolências no velório da rainha Elizabeth II, Bolsonaro fez discurso eleitoral num balcão da embaixada brasileira. Seus apoiadores, instigados também pelo pastor Silas Malafaia, atacaram jornalistas aos gritos e confrontaram até um cidadão local que pediu respeito ao dia de luto.
- Diversos candidatos de esquerda vêm sendo ameaçados de morte por bolsonaristas, e não só virtualmente. Em julho, homens armados intimidaram um grupo que acompanhava panfletagem de Marcelo Freixo, no Rio. Em agosto, também no Rio, candidato a deputado estadual do PT teve o carro fechado e foi ameaçado com uma pistola. Em 10 de setembro, um homem armado intimidou Guilherme Boulos em São Bernardo do Campo (SP). Dias antes, em Goiânia, um homem xingou e apontou a arma para dois candidatos do PT. Em Feira de Santana (BA), Damazio Santana, candidato a deputado federal pelo PSB, vem recebendo xingamentos e ameaças virtuais de cunho racista, e teve sua casa pichada.
- Em 13 de setembro, uma vereadora do PT de Salto do Jacuí (RS) teve o carro atacado pela caminhonete de Luiz Carlos Ottoni, bolsonarista. O carro da petista tinha adesivos de Lula e outros candidatos do partido. Após o acidente, o agressor fugiu, capotou com o carro e morreu.
- A jornalista Carol Romanini foi demitida de uma afiliada da Rede Record no Paraná por usar a cor vermelha no ar, e relatou que a filha vem sofrendo ameaças de morte. O dono da RIC, afiliada da Record, Leonardo Petrelli Neto, é bolsonarista ativo na campanha à reeleição do presidente e tem histórico de assédio nas eleições. A demissão e os ataques teriam ocorrido por influência do deputado federal Filipe Barros. A TV proibiu seus funcionários de usar as cores “vermelha ou bordô”.
- Jornalistas sofrem em média um ataque virtual por segundo. Segundo a ONG Repórteres sem Fronteiras, foram computadas pelo menos 2,8 milhões de agressões a jornalistas nas redes apenas no primeiro mês de campanha eleitoral (16/08 a 14/09). Cerca de 88% dos ataques foram contra mulheres.
- No dia 13 de setembro, o deputado estadual Douglas Garcia, de São Paulo, assediou a jornalista Vera Magalhães nos estúdios onde foi gravado um debate com os candidatos ao governo estadual. Filmando a própria ação, chamava a jornalista de “vergonha”. Foi a mesma expressão usada por Bolsonaro contra Vera no debate presidencial, duas semanas antes.
- Em 7 de setembro, em Confresa (MT), o bolsonarista Rafael Silva de Oliveira matou o petista Benedito Cardoso dos Santos com 15 facadas após uma discussão política. Com um machado, tentou decapitar a vítima. E filmou o cadáver mutilado.
- No dia 31 de agosto, em Goiânia (GO), um policial atirou em um fiel após uma discussão política dentro de uma igreja evangélica. A vítima vinha se posicionando contra as pregações políticas do pastor, que “começou a pedir para que os integrantes da Congregação não votem em partidos ‘vermelhos’”. O baleado foi socorrido e o culto continuou normalmente.
- Em 9 de julho, Marcelo Arruda foi assassinado em sua festa de aniversário em Foz de Iguaçu (PR), que tinha como temas Lula e o PT. O assassino foi o agente penitenciário federal Jorge Guaranho, que invadiu o local aos gritos de “Aqui é Bolsonaro!”.
- Em julho, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados encaminhou à ONU um dossiê denunciando 13 casos de violência atribuída a bolsonaristas eo longo dos últimos quatro anos. A Revista Fórum publicou levantamento semelhante, atualizada até 7 de setembro.
- A revista Piauí publicou reportagem sobre as 79 candidaturas de travestis e trans no país em 2022. Ameaças e episódios de violência são constantes para elas.”Tenho feito a minha campanha com colete à prova de balas, carro blindado e escolta armada”, diz Duda Salabert, vereadora mais votada da história de Belo Horizonte e candidata a deputada federal.
Fonte: Vai ter Resistência (acesse aqui)
Autor: Vai ter Resistência
Publicado em: 04/11/2022