Em frente a quartéis, golpismo atrai milhares

Convocação maciça nas redes e grupos mobiliza grande número de extremistas orientados a pedir “intervenção federal”.

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A eficiência da mobilização convocada pela internet fez-se sentir logo após o encerramento da contagem de votos: em menos de 24 horas, centenas de rodovias estavam bloqueadas em todo o Brasil, sem que sequer um líder bolsonarista tenha feito qualquer convocação aberta nas mídias.

Dois dias depois, no feriado de finados, os seguidores dos grupos e redes da extrema-direita atenderam a uma nova instrução: ocupar a frente de quartéis para pedir “intervenção federal”. Houve protestos em 25 estados e no Distrito Federal. Os maiores atos foram em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo, reunindo milhares de pessoas.

Derrotado em sua tentativa de se reeleger, Jair Bolsonaro manteve silêncio sobre o resultado das urnas por 45 horas. Na terça-feira, fez um pronunciamento curtíssimo e ambíguo, no qual condenou protestos que prejudiquem a população (método que atribuiu à esquerda) mas classificou o processo eleitoral como “injusto” e disse estar lutando “contra o sistema”. Como era de se esperar, o discurso inflamou a militância radicalizada a seguir nas ruas e exigir um golpe militar. Na quarta-feira, em novo pronunciamento, pediu a desobstrução das estradas, mas à noite ainda havia 126 bloqueios ativos, em 14 estados.

Aparentemente o movimento, teleguiado pela internet numa tática que emula o radicalismo conspiratório do QAnon norte-americano, já prescinde da liderança de Bolsonaro.

Intervenção “federal”?

Chama a atenção a forma coordenada como a pauta vem sendo ditada pelos grupos de WhatsApp e Telegram. Em um fio no Twitter, o repórter Igor Mello relata o que observou em comum nas várias manifestações. O termo “intervenção federal”, por exemplo, está presente em todos os protestos, substituindo “intervenção militar”, muito mais usada até então, embora as manifestações sejam um explícito chamamento à ação das Forças Armadas. Por quê a mudança?

“As mensagens de convocação tinham instruções bem diretas: nada de menções a Bolsonaro, só chamar o golpe de ‘intervenção federal’, não manifestar pautas abertamente golpistas, como fechamento do STF”, escreve Igor Mello, que acompanhou a manifestação no Rio. “As camisas e bandeiras do ‘mito’ sumiram, os ataques ao STF baixaram de tom e o canto ‘intervenção federal’ era constante. Não houve ênfase em ataques à imprensa. Não ouvi nenhuma vez cantarem ‘Globo lixo’, algo que era regra nos protestos até aqui. (…) as pessoas cobriram ou rasparam o nome de Bolsonaro do material que levaram porque a orientação era essa”, relatou.

O público não é composto apenas de brancos de classe média alta, como se via normalmente nos atos de campanha pró Bolsonaro. Igor viu muita “gente comum”, além de grupos de evangélicos. “Essas pessoas foram completamente capturadas pelo sistema de comunicação fechado do bolsonarista. Articulam apps de mensagem, YouTube e etc. Não pode ler jornal, nem ver TV. Até a Jovem Pan tinha ‘se rendido ao sistema’ por causa das demissões dessa semana”.

Para onde vamos

Nas estradas e nas ruas, o extremismo vem contando com apoios, adesões ou no mínimo simpatia de policiais (principalmente militares e rodoviários), governantes (ainda que de forma tácita) e empresários (o locaute nas estradas foi ordenado por donos de transportadoras, e não por caminhoneiros).

Se vão escalar ou se dissipar, ganhar mais apoio e engajar a cúpula militar ou perder força – são dúvidas que não há quem possa responder com certeza neste momento, uma vez que a origem e orquestração dos golpistas está nos subterrâneos das redes sociais, e boa parte dos insurgentes já vive em universo paralelo à prova de racionalidade, com forte financiamento da extrema-direira internacional.

Fonte: UOL (acesse aqui)

Autor: Rafael Neves

Publicado em: 03/11/2022