Cresce a perseguição bolsonarista nas igrejas

“É como se nós, cristãos, estivéssemos vivendo a própria ditadura dentro do templo”. Pastores são ameaçados de morte.

Reportagem da BBC News Brasil mostra que a ameaça de perseguição aos cristãos – um dos principais motes do bolsonarismo para garantir o voto evangélico – já é uma realidade, mas em sentido oposto: fiel que não apoia Bolsonaro ou se incomoda com o proselitismo político no templo, sofre assédio, ameaças e até expulsão.

“Líderes religiosos ameaçam com castigo divino ou punição dentro da própria igreja aqueles que discordam da fusão entre política e religião que tem marcado estas eleições”.

Foram recebidos mais de 100 relatos de cristãos, principalmente evangélicos, narrando episódios de pressão ou intimidação dentro dos templos na reta final da eleição. Muitos pediram anonimato, com medo de consequências para si próprios ou suas famílias dentro das igrejas.

“A gente se sentiu descartável.”
“Não reconheço mais a Igreja hoje.”
“O pastor abandonou a Bíblia pra falar de comunismo.”
“É triste ver um lugar sagrado sendo corrompido.”

Queimar quem vota em Lula

“Teve um culto em que o pastor chegou e falou que se o candidato Lula fosse eleito e fossem queimar as igrejas, ele ia mandar queimar primeiro quem votou nele. Isso não foi fora da igreja, não foi nos corredores, foi na frente da igreja toda”, conta Allison Santos, que foi expulso, junto à esposa, da igreja que desde 2019 em Aracaju (SE), e onde trabalhava como evangelizador de jovens.

Slides contra universidade pública

Numa igreja da Assembleia de Deus em Osasco, para um grupo de jovens, foi exibida uma sequência de slides mostrando um suposto “antes e depois” de quem estuda em universidades públicas: “O jovem todo arrumado em um primeiro momento, e depois ele fazendo uso de droga ou se ‘tornando homossexual’ dentro da universidade e coisas desse tipo. Querendo deixar bem claro que a universidade pública era um ambiente perigoso para os jovens”, conta a assistente social Marta de Deolana, que frequentava a igreja há 12 anos. Quando seu marido questionou o conteúdo, dizendo que ele próprio estudou em faculdade pública. O presbítero se alterou e “acusou” o casal de ser de esquerda.

Desde então Deolana e o marido deixaram de ir à igreja. “Sinto que perdi uma referência. Por mais que a Igreja sempre tenha tido um posicionamento conservador, tenha a questão da doutrina, eu vejo as coisas hoje de forma muito violenta. Se penso de forma diferente, vem uma palavra de condenação. É como se eu pudesse ser punida por um pensamento que seja contrário”.

O bem contra o mal

“”O nome de Bolsonaro é citado normalmente (nos cultos). Os irmãos, eles se dirigem ao presidente como o candidato correto. É o candidato do bem. E os demais candidatos, todos, independente da ideologia, são os adversários. São candidatos do mal, digamos”, conta ouro fiel de São Paulo.

Relatos sobre indicações de votos dentro e fora de templos vêm também dos católicos. A paranaense Paula Izidro diz que essa foi a gota d’água: “Na porta do santuário estavam entregando o santinho de um candidato. Aquilo me deixou indignada, porque eles usaram o santuário de palanque. O padre fala abertamente sobre engajar na eleição, posta foto com Bolsonaro, e isso me deixa muito, muito deprimida.

“Diziam que eu não era cristão”

Outra reportagem, de Letícia Mori, entrevistou fiéis que mudaram de igreja por conta do assédio bolsonarista.

“Chegou em um ponto em que se tornou impossível se relacionar. Me chamavam de burro, diziam que eu defendia ladrão, que eu defendia o uso de drogas. Duvidavam se eu era crente mesmo, diziam que não sabiam se eu ia pro céu, que eu não era cristão de verdade, que eu era comunista”, conta Rafael (nome fictício), que desde criança frequentava a mesma igreja, em São Paulo. “Eu dizia, ‘gente, pelo amor de Deus, eu só não vou votar no Bolsonaro’”. Uma pessoa próxima da igreja chegou a dizer que “o Nordeste tinha que se separar do Brasil” porque o PT é bem votado na região. O pai de Rafael é baiano. “Chegou uma hora que (se não mudasse de igreja) ou entraria numa depressão ou teria que mudar o que eu acredito”. Hoje ele frequenta uma igreja presbiteriana que não dá espaço para política partidária.

“A palavra ‘luto’ foi usada por diversos evangélicos que trocaram de igreja e conversaram com a BBC”.

Pastores perseguidos

Reportagem da Agência Pública investiga as ameaças que vêm sendo feitas contra pastores que não se curvam ao bolsonarismo. Bolsonaro tem o apoio das cúpulas das principais denominações evangélicas, inclusive a maior delas, Assembleia de Deus, que expediu resolução para punir pastores que “defendam, pratiquem ou apoiem” pautas de esquerda.

As repórteres Mariama Correia e Nathallia Fonseca levantaram casos de perseguição a pastores assembleianos, batistas, presbiterianos, pentecostais e neopentecostais. Os relatos envolvem assédio judicial, afastamento das funções, constrangimentos, ataques e xingamentos nas redes sociais e até ameaças de morte.

Em Santa Catarina, o pastor Alexandre Gonçalves passou a sofrer ataques ao declarar voto em Ciro Gomes (PDT). Sergio Dusilek, pastor no Rio de Janeiro, teve que renunciar à presidência da Convenção Batista Carioca por ter participado de um ato de apoio à candidatura de Lula. Em sua carta de renúncia, lembrou que diversos pastores batistas defendem Bolsonaro abertamente sem sofrer reprimendas.

“Bolsonaro é uma das páginas mais sombrias do cristianismo evangélico no Brasil”, resume, para a BBC, Gabriel (nome fictício), da Assembleia de Deus.

Fonte: BBC News Brasil (acesse aqui)

Autor: Ricardo Senra

Publicado em: 18/10/2022