“BOLSONARISMO E MILITARISMO SALVACIONISTA SÃO IRMÃOS SIAMESES. AMBOS RECICLAM NA ATUALIDADE OS MAIORES HORRORES DA VIDA NACIONAL – DITADURA, AGRARISMO, MACHISMO, RACISMO, BOÇALIDADE.”

Vinícius Rodrigues Vieira – UOL – 16/11/22

“O espectro boçal do bolsonarismo haverá de nos amedrontar por muitos anos”. Para Vinícius Rodrigues Vieira, doutor em relações internacionais por Oxford e professor na Faap e na FGV, o movimento de extrema-direita mais bem sucedido da história brasileira “claramente capturou generais que, por limitações intelectuais ou de formação, imaginavam serem capazes de controlar o capitão reformado”.

Tradição golpista

“Numa democracia, militares deveriam ser discretos. Uma vez reformados, deveriam manter-se alheios à política, para que não sejam porta-vozes daqueles que ainda têm o dedo no gatilho. Porém, como o Brasil ainda está distante de ser uma democracia plena, generais e demais detentores de patentes elevadas sentem-se no direito de ocupar o espaço de um suposto poder moderador”.

A nota golpista do general Villas Bôas apenas confirma o ressurgir de uma tradição antidemocrática nacional: enquanto afirmam proteger o povo, os militares mantêm uma “espada rente ao pescoço que sustenta a cabeça da República, fundada, aliás, por um golpe militar”.

Os 5 B do bolsonarismo

Em entrevista ao jornal português Diário de Notícias, o autor propôs cinco pilares para explicar a revolução de extrema-direita a que assistimos, acrescentando ao já notório trio BBB (boi, bala e Bíblia) mais dois B: branquitude e boçalidade – “a última confunde-se com o bolsonarismo-raiz, pois independe dos demais pilares para explicar a adesão à extrema-direita”.

“Boçalidade” é uma tentativa de qualificar um grupo composto por “indivíduos, quase sempre do sexo masculino, de formação média, que se orgulham de nunca ter lido um livro e se reveem num Brasil tradicional, de patriarcado”. O primado da ignorância e da truculência.

Já a branquitude congrega outros traços importantes para a compreensão deste novo-velho Brasil: “No bolsonarismo há um nacionalismo branco implícito, travestido de nacionalismo cristão, o que é uma revolução em relação à valorização que o país sempre teve da mestiçagem”.

“E por que os brancos votam Bolsonaro? Como reação à política de cotas, promovida pelo PT, por se sentirem próximos desse nacionalismo cristão que Bolsonaro enfatiza e por ele ser porta-voz dos que veem mais o lado ‘Brasil filho da Europa’ e menos o lado ‘Brasil herdeiro dos povos originários e da África’”.

Não por acaso o período bolsonarista fez proliferar, sobretudo na região Sul, grupos declaradamente neonazistas.

Boçalidade militar

Além de comporem a bancada da bala, de comungarem da filosofia “bandido bom é bandido morto” (leia-se: há crimes justificáveis dependendo do autor e da intenção) e de terem sua cúpula composta apenas por homens brancos, os militares também atendem aos cinco pilares em B por estarem “inseridos em um ambiente propenso à boçalidade”.

Seus cursos de formação estão desatualizados e flertam com o conspiracionismo olavista, “visão de mundo de baixa complexidade que cai como uma luva no ideário simplório herdado da noção de segurança nacional da Guerra Fria”: o inimigo da nação é o suposto comunismo, rótulo que reúne tudo o que se oponha ao bolsonarismo. “Tal inimigo operaria internacionalmente, na figura de governos estrangeiros e organizações globalistas, mas, sobretudo, teria forte presença interna, nos partidos políticos e segmentos sociais que não se ajoelham ao capitão”.

“Como militares chegaram a esse ponto de alienação? Seriam esses ‘boçalnaristas’ a maioria da tropa?”, pergunta o pesquisador.

O terceiro mandato de Lula enfrentará a ameaça constante de golpe por parte dos radicais, fardados ou não. “Clamores por ordem sem racionalidade não levam a progresso algum, mas formam um terreno fértil para que as vivandeiras floresçam no deserto de ideias dos quartéis e da direita brasileira em geral”.

Fonte: UOL (acesse aqui)

Autor: Vinícius Rodrigues Vieira

Publicado em: 16/11/2022