Só faltava o Villas Bôas, não falta mais

Depois de três manifestações militares, a principal voz da politização dos quartéis divulga nota em apoio aos golpistas.

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Desde 2016, quando era comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas vem participando de conspirações que influíram diretamente na vida política nacional, em episódios como o impeachment de Dilma, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro. Como prêmio, recebeu ainda em janeiro de 2019 um cargo de assessor no governo federal, do qual só seria exonerado mais de três anos depois, quando a imprensa descobriu que estava recebendo sem trabalhar.

Na semana em que os militares divulgaram nada menos que três notas oficiais lançando suspeitas sobre o processo eleitoral, um dos grandes mentores da politização dos quartéis não poderia deixar de se pronunciar. E, surpreendendo um total de zero pessoas, o general da reserva saiu em favor dos atos golpistas.

Dois comunicados e um reforço ao golpismo

Para que não se perca a conta: no período pós-eleitoral, vendo crescer os protestos de milhares de pessoas em frente aos quartéis pedindo “intervenção federal”, os militares vieram a público se manifestar três vezes. Em nenhuma delas contribuíram para apaziguar o país na aceitação do jogo democrático.

  • No dia 9 de novembro, dez dias após o segundo turno, o Ministério da Defesa enfim tornou público o resultado de sua auditoria sobre as urnas eletrônicas e a totalização dos votos (que prometera divulgar no dia da eleição). Incapaz de apontar qualquer fraude, insinuou “relevante risco” de “código malicioso”.
  • No dia 10, diante da frustração dos bolsonaristas acampados nas ruas, o mesmo órgão emitiu nova nota reforçando a insinuação que alimenta os golpistas: “embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência”.
  • No dia 11, foi a vez dos comandantes das três Forças publicarem nota conjunta se metendo na vida política nacional, o que é estritamente proibido por lei. O texto manda recados aos Poderes e fala em “corrigir possíveis arbitrariedades e descaminhos autoritários”.

O golpista de sempre

A nota publicada em 15 de novembro pelo general Villas Bôas em sua conta no Twitter, seguida por mais de 1 milhão de pessoas, é mais um capítulo a comprovar o ativismo político e antidemocrático dos militares nesta página infeliz da nossa história.

Elogia os “milhões de pessoas” que pedem golpe militar, por considerar justos seus protestos “contra os atentados à democracia, à independência dos poderes, ameaças à liberdade” e (num ato falho ou mera má redação) contra “as dúvidas sobre o processo eleitoral”. Em outras palavras, o general considera antidemocráticos os ritos eleitorais da democracia. Golpista, portanto.

Questiona a “indiferença da grande imprensa” ao movimento, o que pode (sua torcida?) gerar “mais um fator de insatisfação”. Num conspiracionismo nível Olavo de Carvalho, compara o jornalismo brasileiro com a “mídia totalmente controlada” dos países comunistas. Qualifica os manifestantes como aqueles “lutam pela liberdade” e “jamais serão vencidos”. Golpismo ao quadrado.

Termina mencionando a auditoria das urnas pelo Ministério da Defesa (mas sem poder apontar qualquer problema) e exaltando a confiança que a população nutre pelos militares (na verdade em queda nos últimos anos).

Apesar dos recados conspiracionistas, vale observar o que a nota não diz: Villas Bôas esquiva-se de ataques diretos a instituições ou pessoas, repetindo frases de efeito genéricas e jogando para a torcida dos grupos de zap.

O cuidado em não ser responsabilizado como o golpista que é reforça a impressão de que as Forças Armadas não são capazes de bancar um rompimento institucional. O intuito, então, é meramente chantagista: manter mobilizados os extremistas para barganhar a manutenção de cargos, poder, benesses e impunidade.

Fonte: Folha de SP (acesse aqui)

Autor: Mateus Vargas

Publicado em: 15/11/2022