“A REELEIÇÃO DO INCUMBENTE DARIA À EXTREMA-DIREITA AS CONDIÇÕES PARA IMPLANTAR UMA INÉDITA DITADURA CONSTITUCIONAL.”

Roberto Amaral – Carta Capital – 14/10/22

Ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral faz uma análise clara, sintética e lúcida sobre a delicadeza do momento histórico que vivemos.

A decisão eleitoral não poderia ser mais fácil, “como só pode ser fácil discernir entre Tânatos, a pulsão fundamental de todas as formas de fascismo, e a vida, os dois extremos representados, um pelo projeto de continuidade bolsonarista, outro, a esperança que nos inspira a possibilidade de vitória de Lula”.

Ditadura constitucional

Contando com o apoio de quase metade do eleitorado, Bolsonaro está muito perto de concretizar um inédito projeto fascista no Brasil.

“A eventual e ainda temida reeleição do incumbente daria à extrema-direita, pela primeira vez entre nós, as condições objetivas para, com o entusiasmado apoio da oficialidade militar, implantar uma inédita ditadura constitucional, pois aquelas intervenções que os fardados de 1964 impuseram com os Atos Institucionais (apoiados nos tanques e nas baionetas) seriam, desta feita, levadas a cabo segundo a ordem institucional, portanto sem ofensa à legalidade formal. Essa ordem neofascista, com forças para golpear a democracia por dentro do ordenamento constitucional, teria, para além da sustentação congressual e militar (aqui empregada da forma a mais ampla, compreendendo as casernas propriamente ditas, as diversas polícias federais e estaduais, civis e militares, todo o sistema de repressão…), o apoio de uma extrema-direita de massa, organizada e com elevada capacidade de mobilização, já demonstrada. Um indicador de seu potencial é a aterradora votação obtida pelo capitão no primeiro turno, ao final de um mandato multicriminoso enfrentando Luiz Inácio Lula da Silva, simplesmente o maior líder popular que nossa história produziu depois de Getúlio Vargas”.

Seria, portanto, “uma ditadura tal qual a instalada em 1964 (ou seja, igualmente reacionária e repressora), mas, desta feita, com respaldo na soberania popular, amparada em maioria congressual eleita que lhe permitirá as reformas constitucionais necessárias à derrogação do regime democrático”.

O projeto é militar

Ao contrário do que muitos possam supor, esse ideal de “fascismo tupiniquim” não é coisa da cabeça de um presidente psicopata isoladamente. O plano foi concebido e abertamente proclamado pelos militares, com o seu “Projeto de Nação – O Brasil em 2035”, elaborado pelo Instituto Sagres e pelo Instituto General Villas Bôas e lançado este ano (rebatido pelo recém-lançado livro Comentários a um delírio militarista, organizado pelo cientista político Manuel Domingos Neto).

A proposta de aumento do número de cadeiras no Supremo Tribunal Federal (STF) é apenas um dos movimentos no sentido de desmonte da Constituição de 1988. “A decisão de 2022 (que não reproduz a de 2014) retoma características daquelas de 1988 – a redemocratização – e de 2018, a consagração do golpe de 2016, marco inicial da tragédia em curso”.

Impossível não constatar os ecos da ditadura militar de volta ao centro da cena pública: desigualdade, opressão e impunidade num acordo (nem tão) tácito entre militares e elites. “O país padece a tragédia de possuir uma classe dominante alienada e alienígena, externa ao país, servida por forças armadas que elegeram como adversária não a pobreza ou a subserviência, mas a emergência das grandes massas”.

Mudou a arena política

“Não se trata mais de enfrentar a socialdemocracia paulista, mas de fazer face às ameaças de um obscurantismo, um arremedo de Duce, anacrônico mas poderoso pelo apoio popular que ostenta, pelos seus compromissos com o grande capital, pelos círculos de milicianos e seitas neopentecostais, pelo respaldo em uma extrema-direita global que, a partir do trumpismo, se estende pela Europa ocidental (que encontrou governada pela direita), após instalar-se na Polônia, na Hungria e na Turquia”.

Fascismo na “alma nacional”?

Quando parecia que o país caminhava para consolidar e ampliar sua democracia, é com surpresa que nos deparamos com tamanho retrocesso. Segundo Amaral, não é a primeira vez. “Sempre que avançamos um passo, nos surpreendemos dando dois passos atrás”.

E o quadro atual é assustador. “Somos ameaçados por uma extrema-direita que nossos sociólogos imaginavam incompatível com a ‘alma nacional’. E ela aí está, ameaçadora, numerosa, organizada e armada”.

Hora da Frente Ampla

O passo imediato, urgente e dramático, é garantir a derrota de Bolsonaro nas urnas. “A encruzilhada histórica nos coloca a disjuntiva democracia e ditadura, avanço e atraso, civilização e barbárie, categorias presentes no que temos de história nacional.”

Depois virão outras batalhas, também difíceis. Afinal, o eventual governo Lula “enfrentará uma resistência civil-militar jamais conhecida na república”.

Mas “de pouco nos serve, neste momento, especular sobre o caráter que assumirá o governo frenteamplista que a disjuntiva histórica faz indispensável, e o papel das forças progressistas. A prioridade, por óbvio, é torná-lo realidade”.

Fonte: Carta Capital (acesse aqui)

Autor: Roberto Amaral

Publicado em: 14/10/2022