João Cezar de Castro Rocha – Estado de Minas – 03/11/22
Professor da UERJ e pesquisador da extrema-direita contemporânea, João Cezar de Castro Rocha explicou, às vésperas do segundo turno das eleições, como o Brasil se tornou um laboratório de criação de realidade paralela.
Agora, diante da derrota de Jair Bolsonaro e dos milhares de seguidores que bloqueiam estradas e protestam em frente aos quartéis, ele concede nova entrevista a Bertha Maakaroun, do Estado de Minas, para analisar o estágio atual do movimento conspiratório.
A profecia falhou
Nos encontramos próximos a um momento traumático. O problema de todo movimento messiânico é que o messianismo implica em abrir uma porta a um futuro que deve chegar. Quando o movimento messiânico é de tipo milenarista, quando afirma o fim dos tempos ou possui uma data exata em que o acontecimento decisivo e redentor deva ocorrer, o momento traumático é quando a data chega e esse evento decisivo não ocorre. Isso aconteceu hoje (quinta-feira, 3 de novembro) no Brasil. Havia as míticas 72 horas: como projeção do desejo de Bolsonaro permanecer no poder por meio de uma ditadura, difundiu-se nos grupos bolsonaristas de WhatsApp que havia um prazo mítico, depois do qual, se a convulsão social permanecesse, as Forças Armadas seriam obrigadas a agir, movidas por uma leitura terraplanista do artigo 142 da Constituição. É uma lógica de alienista. A profecia falhou. Tentam buscar justificativas em leituras “cifradas” das mensagens de Bolsonaro. E o que acontecerá quando a profecia falhar outra vez? Creio que haverá uma diáspora da maioria e um núcleo radicalizado que seguirá até as últimas consequências. Esse núcleo precisará ser criminalizado e responsabilizado. E a maior parte tenderá a se afastar, porque profecias que não se cumprem em algum momento se esgotam, pois não é possível eternamente racionalizar ou adiar a sua realização.
Intenção do movimento
O objetivo da extrema direita é manter sob assédio permanente as instituições, a intenção é desacreditá-las, pois a sociedade não aceitará que, desacreditadas, imponham freios e contrapesos à pulsão totalitária fundamentalista do bolsonarismo.
Bode expiatório
Na dinâmica própria desses movimentos, se há um líder que muito promete e nunca cumpre, o próprio líder pode se tornar o bode expiatório do movimento. Talvez estejamos assistindo a um momento dramático, em que os bolsonaristas se revelarão mais radicais e corajosos do que o covarde presidente. O presidente é um covarde, que só pensa em salvar a própria pele e a família. Está usando a radicalização dos bolsonaristas fanatizados pela midiosfera extremista para ter um poder de barganha maior e tentar obter algum tipo de imunidade jurídica. Mas para fazer isso ele está destruindo a vida de muitas pessoas. Muitas delas não se recuperarão da vergonha do fracasso e muitas enfrentarão pesadas consequências do ponto de vista jurídico.
Os oficiais da Polícia Rodoviária Federal e das polícias militares estaduais que bateram continência para os atos golpistas deverão ser expulsos de sua corporação. Muitos empresários que apoiaram terão de se explicar. É um movimento organizado: tem sistema de som com microfone nos bloqueios, há uma logística de retaguarda, comida, água, telefones, contato permanente entre eles. Quem está financiando? Não é espontâneo. Quais são os empresários que estão financiando?
Quem no final vai ficar na ponta, sem proteção? Os manifestantes orgânicos. Tirando uma minoria fanatizada, a grande maioria vai retirar o seu apoio a Bolsonaro, que será simbolicamente sacrificado. Ele já fez isso em 7 de setembro de 2021, quando levou uma massa de pessoas que, se fosse o caso, estavam dispostas a se sacrificar para impor uma ditadura. Bolsonaro voltou atrás, assinou uma carta constrangedoramente escrita por Michel Temer e teve de ligar para pedir desculpas a Alexandre de Moraes. Agora, Bolsonaro já voltou atrás e pediu às pessoas: “Não pensem mal de mim”.
Vamos nos libertar
A extrema direita pretende manter o cotidiano da sociedade em permanente assédio para provocar ondas artificiais, com o propósito de transformá-las em realidade política e colonizar nosso pensamento. Vamos nos libertar. O governo de transição já começou. É um movimento de uma minoria, que não tem condição objetiva de dar golpe e está, cada vez mais, lançada ao ridículo: primeiro celebraram a “prisão” de Alexandre de Moraes, depois celebraram a “vitória de Bolsonaro com 61% dos votos”, depois rezaram para um pneu no meio de uma estrada. Então é preciso celebrar a vitória da frente ampla da democracia, inundar as redes sociais e nosso imaginário com projetos de reconstrução do país, que pode, agora, se tornar a vanguarda mundial da preservação ambiental. Se isso acontecer, o Brasil muda, poderá obter recursos em proporções inimagináveis. Vamos celebrar. Não vamos nos tornar reféns de uma minoria radicalizada, lobotomizada, que só quer viver numa midiosfera extremista. Vamos fazer o contra-movimento de alegria, amor, utopia.
Fonte: Estado de Minas (acesse aqui)
Autor: João Cezar de Castro Rocha
Publicado em: 03/11/2022