Marcelo Pimentel – Folha de S. Paulo – 24/10/22
Marcelo Pimentel Jorge de Souza é mestre em ciências militares pela Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército) e oficial da reserva do Exército. Há anos acompanha a ascensão de Bolsonaro e denuncia o “Partido Militar” que banca esse projeto, composto por comandantes formados nas escolas militares nos tempos do AI-5. É portanto um governo militar saudoso do período mais cruel da ditadura que assumiu o poder federal em 2019. Reeleger Bolsonaro seria sacrificar de vez as últimas quatro décadas de reconstrução democrática.
Quem é quem
“O presidente da República, o vice-presidente e eu somos oficiais oriundos da Academia Militar das Agulhas Negras. Eles se formaram durante o AI-5, que fechou o Congresso e agravou a ditadura militar inaugurada pelo golpe de 1964. Eu, no alvorecer da redemocratização, em 1987.
Hoje, golpe e ditadura são rememorados em ordem do dia e idolatrados pelos dois militares do Planalto, que representam pensamento de sua geração e de porção considerável dos oficiais das Forças Armadas (FA).”
Governo militar
“Milhares de oficiais-generais e superiores ocupam ‘cabeça, tronco, membros, entranhas e alma’ da máquina governamental do Estado. Não constituem apenas ‘ala militar’ mas a ‘cabine de comando’ político do governo”.
Cerca de 70% dos membros do Alto Comando do Exército (2015-2020) já ocuparam ou ocupam cargo no governo, reavivando, meio século depois, o que o país já deveria ter matado e enterrado: o protagonismo político das cúpulas hierárquicas das Forças Armadas. Quando matou, não enterrou como deveria. Os zumbis estão de volta, destruindo tudo o que tocam.
Generais no poder
Foi um general de ativa, Luiz Eduardo Ramos, que concebeu e negociou o orçamento secreto – esquema de destinação de recursos para parlamentares sem qualquer transparência ou prestação de contas, que movimentou, desde 2020, mais de 50 bilhões de reais.
Foi um general da ativa, Eduardo Pazuello, que assumiu o Ministério da Saúde em meio à maior pandemia em um século, “sem saber o que era o SUS”, depois da demissão de dois ministros que não concordaram em flexibilizar medidas de isolamento e proteção e em promover medicamento sem eficácia. O Brasil tornou-se um dos líderes mundiais em mortes por Covid-19.
Um general da ativa, Otávio Rêgo Barros, foi “porta-voz de um capitão notório por faltar à verdade”.
O “fator militar” é essencial para se compreender “a construção e operacionalização da tragédia cívico-institucional que o país, entristecido e temeroso, vivencia”.
Um militar “indigno”
“Ao trocar carreira pela política de baixa produtividade, mas de altos ‘rendimentos’ patrimoniais, o capitão Jair Bolsonaro era reputado ‘indigno’ pelo Exército que ajudou a construir a democracia e a Constituição de 1988”.
Eleito presidente, “não lidera nem une, mas guia facção movida a preconceitos de toda ordem e desagrega o Brasil. Não serviu para ‘obedecer’ nem ‘comandar’ no Exército de Caxias. Não serve para liderar o país ao futuro porque está preso ao pior passado”.
Dois caminhos pelo voto
Nas urnas, o país vê-se diante de uma bifurcação.
Pode escolher o caminho de “reconstrução da democracia estremecida, o restabelecimento do diálogo social civilizado, a recuperação da imagem de credibilidade das FA e a reconstrução da ‘muralha’ que segrega as FA e o militar da luta política e de governo — qualquer governo”.
Ou “pisotear os escombros da ‘muralha’, conduzindo o Brasil ao precipício do delírio autoritário militarista”.
“O militar segue exemplo de seus comandantes no quartel. Nas eleições, porém, não cabe ordem, intimidação, censura, assédio, pressão ou qualquer forma de imposição da vontade do superior sobre a do subordinado hierárquico.”
“Na democracia arduamente reconquistada, é simples assim para civis e militares: o voto é livre e secreto.”
Fonte: Folha de SP (acesse aqui)
Autor: Marcelo Pimentel Jorge de Souza
Publicado em: 24/10/2022