Lucas Rezende – The Intercept Brasil – 01/09/22
“Uma das formas de avaliarmos a qualidade de democracias ao redor do mundo é analisar a participação dos militares nessas sociedades”.
Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lucas Rezende faz uma análise comparativa do papel que ocupam as Forças Armadas nas celebrações de Independência em diversas democracias liberais: Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Reino Unido. O Brasil, claro, se sai muito mal neste retrato.
“As datas nacionais são celebrações cívicas, que envolvem diretamente e primordialmente a participação da sociedade civil – e não exclusivamente das forças armadas. Mesmo em países onde militares tiveram um papel significativo na independência, através de guerras, seu papel é, em geral, menor do que o que vemos na celebração brasileira”.
“Nossa principal data nacional é celebrada com desfiles militares, tal qual acontece na França e na Itália. Mas, diferentemente desses países, não há as simbologias da subordinação ao poder civil ou processos que tragam a agenda civil para as comemorações. São, portanto, um evento exclusivo militar, legando à sociedade civil um papel apenas de espectadores”.
“O que houve no Brasil foi uma apropriação indevida de um movimento civil pelos militares, em uma construção de narrativa que acabou se consolidando na era republicana, que teve governantes militares em grande parte do tempo. As frequentes intervenções das Forças Armadas brasileiras na política contribuíram para firmar o 7 de setembro não como um evento cívico, mas como um momento de demonstração de forças dos militares à própria população do Brasil”.
“Recentemente, em sua tentativa de golpe, Jair Bolsonaro, capitão da reserva do Exército, convocou um risível desfile de tanques da Marinha na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para intimidar o Congresso Nacional. Isso sem falar no tuíte do general Villas-Bôas, elaborado pelo Alto Comando do Exército, para intimidar o Supremo Tribunal Federal. E a associação dos militares a golpes no 7 de setembro retornou na tentativa de golpe frustrada de Bolsonaro na celebração do Dia da Independência de 2021.”
“Neste ano, não é novidade nenhuma que Bolsonaro usará as Forças Armadas (ou elas o usarão) como ferramenta política no 7 de setembro. Só o fato de haver manifestações eleitorais favoráveis ao presidente no mesmo local das comemorações militares já é algo que seria inaceitável em qualquer democracia consolidada.”
“As 8 horas do show militar foram pensadas para associar os militares à figura do presidente da República e às suas agendas próprias política e eleitoral, algo que fere brutalmente o equilíbrio das relações civis-militares, demonstra a partidarização das Forças Armadas, intimida parte da sociedade civil e as instituições políticas brasileiras.”
“Com um histórico tão grande de intervenções domésticas e do uso das Forças Armadas para intimidação da sociedade e das instituições civis, é hora de questionarmos as narrativas militares, e começar por uma desmilitarização das celebrações do 7 de setembro seria um bom caminho. A celebração da independência não pode continuar como vitrine propagandista dos militares, o que contribui para a perpetuação da narrativa que somos apenas independentes devido a eles – o que não é a verdade histórica.”
Fonte: The Intercept Brasil (acesse aqui)
Autor: Lucas Rezende
Publicado em: 01/09/2022