Fernando Abrucio – Valor – 07/10/22
Doutor em ciência política pela USP e professor da FGV, Fernando Abrucio escreve sobre a encruzilhada em que se encontram os políticos de centro e centro-direita no Brasil. Aqueles que, por oportunismo, aderem cegamente à barca bolsonarista, estão fadados a ser engolidos como foram João Doria, Wilson Witzel e todo o PSDB depois de 2018. A aliança liderada por Lula, neste momento dramático, é a única esperança de sobrevivência da política democrática no país.
Tragédia à vista
“Trata-se de uma nova encruzilhada histórica, cuja repetição provavelmente não dará uma segunda chance à democracia, pelo menos nos moldes liberais que a conhecemos. O bolsonarismo não esconde que pretende reduzir os controles institucionais e sociais sobre o presidente, de modo a aumentar sua força para fazer grandes mudanças legais, que vão do impeachment de ministros do STF até a alteração de sua composição, passando talvez por uma transformação mais ousada e profunda: a revisão da Constituição de 1988, especialmente de sua alma democrática”.
“Os símbolos do modelo bolsonarista de governar são o clientelismo desbragado e corrupto do orçamento secreto, a destruição deliberada do meio ambiente, o enfraquecimento do SUS, o abandono da escola pública, o sucateamento da ciência, o desmantelamento da Federação, a anulação do STF, a quebra dos direitos garantidos pela Constituição de 1988, enfim, o caminho para uma autocracia dominada pela família Bolsonaro”.
Anões morais da política
Em um país rachado ao meio entre lulismo e bolsonarismo, o centro político foi dizimado, e chegou a hora da decisão: “Adesões oportunistas ao bolsonarismo são depois descartadas. Sem entender o efeito bolsodoria muitos políticos de 2022 estão abandonando as tradições democráticas de seus partidos. O que diriam Mario Covas, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro e outros gigantes que lutaram contra a ditadura de alguns de seus correligionários atuais, que tão facilmente pularam para o barco bolsonarista?
Ou tais políticos ficaram mimados demais com os cargos públicos e não conseguem viver fora da sombra do poder, ou não entendem nada do significado do regime democrático, o que os transforma em anões morais da política. Deveriam revisitar o que aconteceu com os que apoiaram os militares em 1964 e depois entraram para os livros de história como farsantes ou cúmplices do arbítrio”.
Aliança democrática
Para fazer frente a um projeto que pode acabar com a pluralidade política e levar o país a um buraco profundo, o lado da tradição democrática reúne-se em torno de Lula, que busca desesperadamente o apoio do centro e das elites políticas e sociais para se eleger e, sobretudo, governar o país.
“Se ganhar, Lula estará condenado a dividir equanimemente o poder, sendo obrigado a equilibrar uma agenda mais próxima da centro-direita no plano econômico com políticas sociais mais de centro-esquerda. Tal combinação torna-se mais positiva porque pode ser alicerçada em dois pilares: quadros técnicos altamente qualificados, algo que praticamente inexiste no bolsonarismo, e forças sociais antenadas com o século XXI, em setores como o ambiental e o educacional”.
Em resumo, a única aliança que pode proteger a democracia brasileira de sua maior ameaça desde a ditadura é o lulismo.
Renovação da política
Um governo Lula não teria vida fácil. Seria um início de reconstrução do sistema político democrático e de muitos campos governamentais centrais para o desenvolvimento do país.
Um governo de transição, que poderia abrir caminho para o aprimoramento de políticas públicas e a reformulação de projetos dos partidos políticos, propiciando o surgimento ou consolidação de novas lideranças de centro, centro-direita e centro-esquerda, todas comprometidas com a democracia e com uma agenda do século XXI. Os conceitos de aliança e pluralidade ganhariam novo sentido.
Em caso de vitória de Bolsonaro, os políticos oportunistas que o apoiam terão seu nome inscrito no aniquilamento do futuro político do país. “Por isso, é preciso gritar aos omissos: desta vez, a História não os perdoará!”.
Fonte: Valor (acesse aqui)
Autor: Fernando Abrucio
Publicado em: 07/10/2022