Lucas Figueiredo – Folha de S. Paulo – 14/01/23
Pesquisador da Comissão Nacional da Verdade e autor de Lugar nenhum: militares e civis na ocultação dos documentos da ditadura, Lucas Figueiredo defende que o maior legado do novo mandato de Lula deveria ser encerrar o “pacto de boa convivência” dos governos civis com as Forças Armadas, que há 40 anos mantém nossa democracia refém das ameaças militares.
“Apesar de sucessivamente renovado, o pacto de boa convivência com os militares proposto por Tancredo Neves na instauração da Nova República nunca gerou estabilidade plena aos presidentes civis. Nos últimos anos, ele implodiu.
Ou o poder civil enquadra o poder militar, colocando-o de fato sob sua subordinação, como manda a Constituição, ou mais cedo ou mais tarde será engolido por ele”.
Lula I: conciliação inútil
Ao assumir seu primeiro mandato presidencial, Lula optou por não desagradar as Forças Armadas, mantendo militares em cargos chave de órgãos de segurança e inteligência, como GSI e Abin, e nomeando novos comandantes entre os mais antigos das Forças.
Mas por que essa tentativa de não melindrar os fardados? Segundo um membro do alto escalão daquele governo, “o PT acreditava que seu governo seria alvo de pressões colossais por parte do establishment, com risco de instabilidade econômica, social e política. Então, para garantir ao menos a neutralidade da caserna, optara por uma política continuísta na esfera militar”.
O problema de ceder à ameaça velada dos militares é que, “num país com crônica fragilidade institucional como o Brasil, o mandatário precisa ter certeza de que conta com a lealdade irrestrita de quem comanda a tropa”. Ainda mais sendo Lula: “Não era por ter sido eleito com quase 53 milhões de votos que aquele ex-dirigente sindical de esquerda deixara de personificar o ‘inimigo interno’ a ser derrotado”.
Vinte anos depois, o país percebe como o pacto de conciliação deu errado: militares explicitamente envolvidos em tramas golpistas e atacando publicamente seu comandante-em-chefe.
Tarefas urgentes
“Como presidente, comandante em chefe das Forças Armadas e herdeiro dos apocalípticos anos Bolsonaro, Lula tem cinco tarefas urgentes a cumprir:
1 – enfrentar com rigor a insubordinação nas fileiras militares;
2 – retirar da esfera militar o controle da Abin;
3 – retirar do GSI atribuições afeitas à área civil, retornando ao tradicional formato da Casa Militar;
4 – em relação às graves violações dos direitos humanos ocorridos na ditadura civil-militar, exigir das Forças Armadas submissão às decisões do Executivo, do Legislativo e do Judiciário referentes ao direito à memória e à verdade;
5 – reformular a doutrina castrense de forma a eliminar a figura do ‘inimigo interno’.
Dar um fim a essa história talvez seja o maior legado que Lula poderá deixar ao Brasil.”
Fonte: Folha de SP (acesse aqui)