Demétrio Magnoli – Folha de S. Paulo – 05/11/22
Para Demétrio Magnoli, Bolsonaro já perdeu a oportunidade de concretizar seu sonho golpista. O que passou a promover, após a derrota eleitoral, é uma chantagem às instituições para manter seu poder de líder da extrema-direita.
As mortes do golpe
A recusa dos altos comandos militares de embarcar na aventura golpista foi essencial para preservar a democracia nos últimos anos. Em novembro de 2020, o comandante do Exército, Edson Pujol, “declarou que sua Força não é instituição de governo nem tem partido”. No final de março de 2021, os comandantes das três Forças entregaram os cargos após a demissão do ministro da Defesa. Seus substitutos “aplicaram discretamente, sem qualquer declaração pública, o princípio expresso pelo demitido Pujol”.
O plano derradeiro teve início quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cometeu o erro de aceitar que militares participassem do processo de fiscalização das urnas. Bolsonaro esperava forjar naquela comissão a fraude da contestação eleitoral. “Os militares designados pelo Ministério da Defesa empenharam-se no esporte da simulação, rejeitando as alternativas de confirmar ou impugnar a lisura do sistema de voto. Então, o golpe morreu pela terceira vez”.
Por fim, na noite de 26 de outubro, “convocados pelo presidente para uma reunião extraordinária, os comandantes militares não aceitaram alinhar-se à chicana desesperada de denúncia do alegado boicote de rádios às inserções eleitorais da campanha bolsonarista“.
Fase da chantagem
“Bolsonaro sabe que a oportunidade passou. O golpe virou arruaça. (…) A chantagem baseia-se na ideia de tomar o Brasil como refém e objeto de intercâmbio. No fim, em troca da negociação de uma espécie de anistia prévia, Bolsonaro concederia à nação o retorno à vida normal”.
Mas, para isso, o líder precisa ser ambíguo: em público, silêncio e depois pedidos de moderação; nos subterrâneos das redes, a contraordem: os bolsonaristas precisam manter nas ruas a mobilização por uma “intervenção federal”. “Por essa via tortuosa, Bolsonaro tenta livrar-se da acusação de subversão da ordem democrática e, simultaneamente, conservar o ímpeto do movimento subversivo”.
A estratégia é arriscada. “Como impedir que a duplicidade provoque uma cisão definitiva no bolsonarismo, separando a facção mais radicalizada da massa dos seguidores? Como controlar o grau de radicalização, evitando desfechos inesperados capazes de cancelar a negociação institucional?”
Hora do cassetete
“O objetivo de Bolsonaro é mostrar força, poder de mobilização, para vergar o sistema de justiça, elevando-se acima da lei. Se conseguir colocar as instituições de joelhos, conservará a unidade da direita em torno da sua liderança. Caso contrário, a direita se fragmentará – e só restará ao chantagista uma franja incapaz de conviver com as regras do jogo.
É hora de responder ao golpismo com a musculatura da lei, acompanhada pela necessária repressão. Os extremistas que sonham com o cassetete da ditadura precisam conhecer o cassetete da democracia.”
Fonte: Folha de SP (acesse aqui)
Autor: Demétrio Magnoli
Publicado em: 05/11/2022