“O PROTESTO FOI ALÉM DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL. ELES NÃO HESITARÃO EM SE APOIAR EM MOBILIZAÇÕES REVOLUCIONÁRIAS PARA DERRUBAR O GOVERNO LULA.”

Valerio Arcary – Revista Fórum – 04/11/22

Doutor em História pela USP, professor do IFSP e com longa trajetória na esquerda brasileira, Valerio Arcary propõe a reflexão sobre qual deve ser a estratégia progressista diante da permanência do bolsonarismo.

“Claro que uma tática que explore as possibilidades de divisão da extrema-direita isolando a corrente neofascista é inteligente. Semear a discórdia, alimentar as discordâncias, fomentar a cizânia é sempre útil”.

À parte desse esforço, ele enxerga duas estratégias possíveis: tentar conviver com a extrema-direita ou apostar na investigação, condenação e prisão de Bolsonaro.

Os elementos em jogo levam a crer que a primeira opção seria um erro grave.

Parte da paisagem

Houve quem sugerisse uma reunião de Lula com Bolsonaro, com direito a foto. Essa intenção admite ser inevitável a permanência de uma corrente neofascista com influência de massas. “O principal argumento é que o bolsonarismo passou a fazer parte da ‘paisagem’ institucional. Então o melhor seria não somente aceitar, mas pressionar pela ‘normalização’ do bolsonarismo. Não provocar. E realizar gestos que sinalizem a disposição de convivência inspirada pelo respeito democrático do governo Lula com a oposição de direita, até mesmo de Bolsonaro”.

Não subestime o fascismo

A segunda corrente afirma que a convivência é inaceitável, pois o bolsonarismo é uma corrente neofascista. Ao perder a blindagem jurídica do cargo, Bolsonaro deve se investigado e punido.

“A subestimação do perigo bolsonarista tem sido o erro mais importante da esquerda brasileira desde 2018. (…) Agora se despreza a importância do bloqueio de estradas e das concentrações na frente dos quartéis. O bolsonarismo já demonstrou que tem capacidade de colocar nas ruas centenas de milhares. (…) O protesto foi além da desobediência civil, e serviu para indicar a estratégia feroz do bolsonarismo na oposição. Eles não renunciaram à luta pelo poder. Quando puderem não hesitarão em se apoiar em mobilizações revolucionárias para derrubar o governo Lula. Se não o conseguirem, procurarão acumular forças para as eleições de 2024 e 2026. Se, eventualmente, o trumpismo tiver uma vitória nas eleições nos EUA no próximo dia 8 de novembro, a possibilidade de uma forte candidatura de Trump irá reforçar a extrema-direita mundial, inclusive o bolsonarismo, se até lá não tiver sido derrotado”.

A principal liderança

“Bolsonaro será a principal liderança da oposição ao governo Lula, se não for detido. Não há qualquer outro chefe político que possa, remotamente, concorrer com a confiança que despertou. É uma ilusão de ótica institucionalista imaginar que, por não ter mandato, Bolsonaro deixará de ser ouvido e seguido. O bolsonarismo tem implantação social e presença nacional. Responde a uma base social que une frações poderosas do agronegócio com a massa da pequena-burguesia, dividiu a classe trabalhadora arrastando um pouco mais da metade dos assalariados de renda média e tem audiência em setores populares”.

Desbolsonarizar as instituições

“Desbolsonarizar as instituições, a começar pelas polícias, em especial, pela Polícia Rodoviária Federal, em função dos escândalos acumulados, deverá ser um combate incontornável. Esta tarefa não pode ser terceirizada para a Justiça como se fosse uma rotina administrativa. Ela só poderá ser conquistada com uma campanha política de agitação e mobilização de massas”.

Fonte: Revista Fórum (acesse aqui)

Autor: Valerio Arcary

Publicado em: 04/11/2022