Em público, tenta moderar o tom e se afastar de radicais. Em eventos com apoiadores fieis, ataca a democracia e atiça a revolta.
Jair Bolsonaro vê se estreitar o prazo que decidirá seu destino. No dia 2 de outubro, o encontro marcado é com as urnas, e a estabilidade das pesquisas indica que suas chances de reeleição seguem pequenas. Mas, antes disso, o calendário reserva outra data para ele testar o caminho “alternativo” de se manter no poder: dia 7 de setembro, o bolsonarismo vai às ruas pedir golpe de Estado (e sob fanfarras militares).
Como os dois personagens são inconciliáveis, o presidente-candidato precisa se equilibrar numa corda bamba: de um lado, em público ou diante de plateias civilizadas, simula ser um respeitador das regras democráticas, de modo a não afugentar eleitores; de outro, em eventos fechados à imprensa e com públicos “seletos”, alimenta a chama dos apoiadores extremistas, que sonham em ver tanques nas ruas contra a “ditadura do STF” e do “comunismo globalista”.
Foi o que fez em evento para uma plateia de mulheres em Novo Hamburgo (RS), no dia 3 de setembro, quando se queixou da operação contra empresários golpistas: “Nós vimos, há pouco, empresários tendo sua vida devassada, tendo a visita da Polícia Federal. Estavam privadamente discutindo assunto, não interessa qual seja o assunto, eu posso bater um papo num canto qualquer. Não é porque tem um vagabundo atrás da árvore ouvindo a nossa conversa, que vai querer roubar a nossa conversa. Agora, mais vagabundo que esse ouvindo a conversa é quem dá canetada após ouvir o que ouviu esse vagabundo”, disse, em referência ao ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, que autorizou a busca e apreensão.
Dias antes, em 31 de agosto, Bolsonaro se envolveu em duas cenas opostas, o que exemplifica a delicada estratégia de se manter candidato e golpista. À tarde, durante comício em Curitiba, pediu a apoiadores que abaixassem uma faixa pró-golpe militar com os dizeres: “Presidente, acione as FFAA. Nova Constituição anticomunista”. À noite, em jantar numa churrascaria na vizinha São José dos Pinhais, sem a presença da imprensa, voltou à cena o candidato a ditador:
“Dizem que o poder emana do povo. Não é verdade, a não ser que o povo escolha bem seus representantes. É a luta do bem contra o mal”. No público, um recorte social tipicamente apoiador (e financiador) de atos antidemocráticos: cerca de 300 produtores rurais, empresários do agronegócio, parlamentares ruralistas e o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD).
“Sabemos o quanto está ameaçada a nossa liberdade, a liberdade de se expressar. Temos assistido com preocupação certas decisões que não condizem com o estado democrático de direito. Ninguém aqui quer dar golpe. Nós não podemos aceitar um golpe”. E, neste ponto, retoma o mantra com que seduz seus seguidores a matar ou morrer em sua defesa: “Podem ter certeza que juramos dar a vida pela nossa liberdade”.
Ataca o Judiciário, sob a alcunha genérica de “alguns”: “Não estamos aqui para ofender qualquer um dos Poderes, mas sabemos da verdade, do que alguns querem, do que alguns pretendem mudar no Brasil”. A suposta mudança desejada por “alguns” seria uma ditadura de esquerda, claro: “Se vocês começarem a empobrecer, mas continuarem com liberdade, vocês recuperarão o que perderam, mas se perderem liberdade, perderão tudo, inclusive a dignidade, a família, a propriedade privada, o direito de ir e vir”.
Evoca a facada que levou na campanha de 2018 e inova ao associá-la à morte do deputado Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA), em acidente de avião quando era candidato presidencial, em 2014. Seriam exemplos de que os adversários são capazes de tudo: “Quando eles veem que não podem nos derrotar no voto ou de outra forma, vão para a eliminação do próximo”. Resta a dúvida do que seria “de outra forma”. Resta?
A tática é agitar seu “exército” civil de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), que já passa das 700 mil pessoas, para que acreditem que o país está de fato à beira de uma guerra civil, e deem o primeiro passo. O estopim de um lobo solitário pode ser suficiente para gerar o caos que Bolsonaro tanto almeja, sem que precise se envolver diretamente na intentona, mas usando a violência de argumento para decretar Estado de exceção e chamar os militares. Fontes de inteligência também já detectaram a possibilidade de um falso atentado.
No 7 de setembro, o Bolsonaro genuíno, aquele golpista, terá que agradar seus fiéis seguidores, mas com o cuidado de não comprometer os objetivos do Bolsonaro fictício, o “democrata”. Muitos donos do dinheiro avisam que aguardam o tom do presidente no evento para avaliar se vale a pena continuar bancando a instabilidade no país ou se é mais negócio se conformar em apoiar o previsível Lula.
Em outubro, em caso de derrota eleitoral do falso democrata, enfim o rei ficará nu e veremos apenas o verdadeiro Bolsonaro: ele saberá usar as massas armadas dispostas a tudo em sua defesa como chantagem para uma negociação de bastidores por uma anistia, de modo a não ser devidamente julgado e preso ao sair do poder.
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