Bernardo Mello Franco – O Globo – 09/10/22
O jornalista refere-se à ameaça feita por Eduardo Bolsonaro em outubro de 2018, antes de seu pai ser eleito presidente:
“Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo. O que é o STF? Tira o poder da caneta da mão de um ministro do STF, o que ele é na rua? Se você prender um ministro do STF, você acha que vai ter manifestação popular a favor dos ministros do STF? Milhões na rua?”, provocou o então candidato, o mais votado do Brasil naquela eleição.
O desejo de golpear um dos pilares da democracia já estava explícito então, e ao longo de seu mandato Jair Bolsonaro fez questão de escalar a virulência dos ataques à Corte, que em muitos momentos foi a única resistência institucional a iniciativas autoritárias e antidemocráticas do presidente e seus seguidores. “Desde a posse do capitão, o Supremo tem atuado como um dique de contenção ao autoritarismo. Barrou tentativas de censura, suspendeu decretos inconstitucionais, defendeu a democracia dos ataques de extremistas”.
Agora, a possibilidade de reeleição – com um Senado onde se ampliou a presença da extrema-direita – torna dispensável o cenário de “cabo e soldado” fechando o STF, ou seja, de um golpe clássico perpetrado pelas Forças Armadas.
O fim da democracia virá pela “reforma do Judiciário”, anunciada pelo presidente e por senadores antes mesmo do segundo turno.
“O roteiro inclui aumentar o número de ministros, encurtar mandatos e restringir o alcance das decisões do Supremo. A cartilha já foi seguida na Hungria e na Polônia, onde aliados de Jair Bolsonaro governam com poderes imperiais.”
Eleito senador, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, concedeu entrevista defendendo a cassação de ministros do STF. O próprio Bolsonaro confirmou o movimento: “Já chegou essa proposta para mim e eu falei que só discuto depois das eleições”.
“No ano passado, ele apresentou um primeiro pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes. A ofensiva foi parada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que agora arrisca perder a cadeira para um bolsonarista raiz”.
Bernardo Mello Franco lembra que o plano de Bolsonaro se inspira em manobra realizada na ditadura brasileira: em 1965, o regime aumentou o número de ministros do STF de 11 para 16, permitindo ao marechal Castello Branco nomear cinco aliados de uma vez. “Quatro anos depois, a ditadura cassou três ministros que não se curvavam ao Planalto: Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima. Outros dois anteciparam a aposentadoria, e o Supremo voltou ao formato original”.
“O episódio mostra que é possível capturar o tribunal sem a necessidade de fechá-lo com um cadeado. O bolsonarismo não precisará do soldado e do cabo: uma vitória do capitão pode ser suficiente”, conclui.
Fonte: O Globo (acesse aqui)
Autor: Bernardo Mello Franco
Publicado em: 09/10/2022