Sob a aparente loucura do ato, uma bem pensada consequência: extremistas inflamados e a iminência de ataques terroristas.
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Em sua coluna de 26 de outubro na Folha de S. Paulo, Elio Gaspari levantou a lebre: o ato de Roberto Jefferson, ao resistir à prisão atirando e jogando granadas contra policiais federais, não foi um surto tresloucado. O personagem sempre teve método.
“Em décadas de atividade nos tribunais, no Congresso e até mesmo na televisão, ele provou-se pessoa experiente. Nos vídeos das oito horas de tumulto, mostrou-se no completo controle dos nervos. Deu dezenas de tiros de fuzil e lançou dois explosivos na direção dos agentes federais que foram capturá-lo. Jefferson controlou seu roteiro. Como advogado, ao insultar a ministra Cármen Lúcia ele sabia que sua prisão domiciliar seria revogada. Mártir ele nunca quis ser”.
Qual o objetivo da ação, então, se em termos eleitorais tudo indica que foi um tiro no pé das chances de reeleição de Bolsonaro? Nas palavras de Gaspari: “Roberto Jefferson dizia ser a semente de alguma coisa, mas não se sabe o que é”.
Reportagem do TAB traz uma pista: a semente frutifica junto ao neonazismo brasileiro.
Herói no Telegram
Dias depois da prisão, em Santa Catarina, de um grupo de jovens acusados de compor uma célula neonazista, o atentado de Roberto Jefferson em resistência a uma ordem judicial foi celebrado em canais supremacistas na rede social Telegram como “um exemplo” a ser seguido por apoiadores de Jair Bolsonaro, especialmente com a proximidade do segundo turno das eleições presidenciais.
Na maioria dos grupos de militância bolsonarista, alguns com mais de 30 mil membros, o apoio a Jefferson foi abraçado de início, mas abandonado após o pronunciamento do presidente repudiando o ato. Em contraponto, nos canais de extrema-direita do Telegram, onde circulam conteúdos misóginos, racistas e antissemitas, ele foi exaltado como herói.
“Muitos defendem em altos brados o uso de armas para defenderem suas vidas e propriedade, mas quando a teoria é aplicada à prática, revelam que não são menos dóceis e submissos que o próximo rebanho”, diz um texto assinado como “Orgulho Branco”. “Leis não são sagradas, mas os princípios sim”, acrescenta.
Segundo a reportagem, parte dos grupos neonazistas não apoia Bolsonaro, mas o ataque de Jefferson “rompeu a bolha” e foi bem recebido por usuários mais radicalizados. Vídeos comparando o ex-deputado ao personagem Scarface e exaltando-o como herói nacional ganharam curtidas e aplausos.
Pegar em armas
Alguns membros dos grupos receberam a notícia como uma convocação para se armarem e partirem para a ação. “Fico no aguardo dos próximos episódios, talvez tenhamos que nos envolver pessoalmente nessa história, muito além dos votos e dos memes”, escreveu um deles. “Aconselho quem não tem, tirar seu CAC enquanto pode”, sugeriu outro. CAC é a licença de posse e porte de armas para colecionadores, atiradores esportivos e caçadores.
Canais que já tinham um discurso violento usaram o caso para subir o tom de seu racismo e antissemitismo. Em 2021, Roberto Jefferson postou conteúdo antissemita no Instagram, associando os judeus a infanticídio.
Para o sociólogo Michel Gherman, professor da UFRJ e pesquisador do Centro de Estudos do Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém, o ataque de Jefferson à PF “foi uma sinalização” para que grupos extremistas “pudessem colocar seus planos de radicalização em marcha”. “Segundo Gherman, Jefferson se tornou um amálgama de símbolos caros a grupos extremistas (o culto às armas, o antissemitismo e a misoginia), desde passou a ser um defensor ferrenho de Bolsonaro”.
Explode o neonazismo no Brasil
Em pouco mais de dois anos (janeiro de 2019 a maio de 2021), o registro de grupos neonazistas no Brasil cresceu 270%, com 530 grupo mapeados, que podem reunir até 10 mil pessoas.
Fonte: TAB (acesse aqui)
Autor: Marie Declercq
Publicado em: 26/10/2022