Expulsão de coronel da ativa rasga ainda mais o disfarce “técnico” da tentativa de intervenção no processo eleitoral.
Em sua página no Facebook, Ricardo Sant’Ana se comportava como um extremista político, com insultos como “Votar no PT é exercer o direito de ser idiota” e, em relação às eventuais eleitoras de Simone Tebet: “Vaca vota em vaca”. Também lançava dúvidas infundadas sobre o sistema eleitoral.
Poderia ser apenas mais um fanático da extrema-direita a espalhar ódio nas redes, mas sua formação e cargo colocaram o caso em evidência: Sant’Ana é coronel da ativa e chefe da Divisão de Sistemas de Segurança e Cibernética da Informação do Exército. Não se sabe se será punido pela corporação, afinal as normas do Exército impedem manifestação política de seus membros, mas no governo Bolsonaro a pretensa isenção dos militares virou letra morta.
De sua parte, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, tomou providência: expulsou o coronel do grupo de nove militares escalado para inspecionar o código-fonte das urnas eletrônicas. “Conforme apuração da imprensa, mensagens compartilhadas pelo coronel foram rotuladas como falsas e se prestaram a fazer militância contra as mesmas urnas eletrônicas que, na qualidade de técnico, este solicitou credenciamento junto ao TSE para fiscalizar”, justificou Fachin.
Sant’Ana apagou sua conta no Facebook, mas quem garante que os outros oito militares “técnicos” enviados ao TSE são movidos pelo interesse de colaborar com a lisura e transparência das eleições, e não bolsonaristas com a missão de tumultuar o processo?
Afinal, em fases anteriores os militares já haviam apresentado 88 perguntas ao TSE e recebido em resposta um documento de 700 páginas, cujo conteúdo não contestaram. No fim de junho, o próprio Sant’Ana solicitou ao TSE arquivos relacionados às eleições de 2018 e 2014. “Entre as informações solicitadas estavam – bem em linha com os posts reproduzidos no perfil particular do coronel na rede social – imagens dos boletins emitidos com a totalização dos votos de cada seção eleitoral, arquivos de registro digital e os logs das urnas eletrônicas”, escreve Rodrigo Rangel para o Metrópoles. Na última semana, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, solicitou em caráter “urgentíssimo” o código-fonte das urnas eletrônicas, que já estava disponível à fiscalização desde o ano passado. O resultado dessa nova investida será divulgado no dia 12.
O golpismo militar contra as urnas está a cada dia mais escancarado. “Bolsonaro age como conquistador e não como inquilino do Planalto. Seus generais podem querer ganhar tempo e território com suas manobras. O objetivo aqui é evitar que as explicações técnicas do TSE consigam exaurir as dúvidas levantadas pelos militares antes de a eleição ocorrer. O bolsonarismo precisa manter a dúvida – sem provas – sobre a lisura das urnas até o dia do voto. E as Forças Armadas tem um papel central nessa estratégia. Caso Bolsonaro seja derrotado, o discurso da fraude será o primeiro ato para o grupo manter sua influência e negar ao vencedor a tranquilidade que a legitimidade do voto garante ao eleito para governar”, opina Marcelo Godoy, no Estadão.
“Não se procura negar apenas a legitimidade do voto e da vitória do opositor. O governo Bolsonaro se comporta como se negasse mesmo ao Judiciário e aos órgãos de controle da República – não há freio e contrapeso constitucional que lhe seja aceito como parte do Estado de Direito. A intolerância sempre clama pela exceção. É o tema da reportagem de Weslley Galzo, ao mostrar que Bolsonaro ignorou todos os prazos de pedidos de explicações dados a ele pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)”.
Sobre o coronel Ricardo Sant’Ana, vale acrescentar que formou-se em engenharia de telecomunicações pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), onde fez mestrado em Engenharia Elétrica e doutorado em machine learning aplicado à análise de malware, é especialista em linguagens de programação, processamento de voz e arquitetura de sistemas e atualmente estuda criptografia e segurança de redes na Universidade Federal Fluminense (UFF). Com tais credenciais e à frente da Divisão Cibernética do Exército, qual terá sido seu papel (e intenções) na aquisição do software israelense Cellebrite, que permite a extração de dados de telefones celulares, de sistemas de nuvem dos aparelhos e de registros públicos armazenados em redes sociais? Consultado pela Folha sobre os objetivos dessa aquisição, o Exército silenciou.
Fonte: Metrópoles (acesse aqui)
Autor: Ana Flávia Castro
Publicado em: 08/08/2022