“ENQUANTO OS MILITARES FOREM CAPAZES DE ENTRAR NA POLÍTICA E COLOCAR SUAS MÃOS NA BALANÇA DA JUSTIÇA E NA BALANÇA DAS ELEIÇÕES, A DEMOCRACIA ESTARÁ SERIAMENTE AMEAÇADA.”

Steven Levitsky – Roda Viva – 19/09/22

Autor do livro Como as democracias morrem (2018) com Daniel Ziblatt e pesquisador da Universidade de Harvard, Steven Levitsky foi o entrevistado do programa Roda Viva, na TV Cultura, a 13 dias do primeiro turno das eleições presidenciais.

Levitsky falou do risco à democracia que representaria a reeleição de Bolsonaro, e analisou a conjuntura brasileira à luz do fenômeno de ascensão da extrema-direita no mundo nos últimos anos. Diante da provável derrota eleitoral de Bolsonaro, ele se preocupa com o questionamento do resultado das urnas (tática idêntica à adotada por Donald Trump nos Estados Unidos) e com a politização das Forças Armadas, cuja lealdade à democracia pode ser posta à prova. Para reduzir ao máximo qualquer tentativa de golpe, não deveria sequer haver “terceira via” nas eleições: o país precisaria se unir para uma derrota acachapante de Bolsonaro no primeiro turno.

Papel dos militares

“O Exército brasileiro tem sido bastante profissional nas últimas décadas, mas começou a retomar um caminho perigoso na política. Alguns militares vêm intervindo na política de maneira infeliz, como no julgamento do Lula. E agora, de novo, é algo muito perigoso e irresponsável de se fazer: que os oficiais do Exército interfiram nas eleições, que estejam fazendo parte do processo eleitoral desta forma. (…) O Brasil tem um sistema eleitoral excelente, e o que os militares estão fazendo é exigir uma contagem de votos paralela, ou seja, estão corroborando esta mentira e contribuindo para a redução da confiança pública no processo eleitoral, o que é extremamente prejudicial à democracia. Isso é muito temerário. A contagem paralela cria a possibilidade de trapaças, de que, acidentalmente ou intencionalmente, haja resultados diferentes. E isso dá margem para que se conteste as eleições. (…) Houve sinais demais, nos últimos cinco ou seis anos, de uma intervenção militar. Comentários que não deveriam ter sido feitos, comportamentos políticos totalmente inapropriados. E enquanto os militares forem capazes de entrar na política e colocar suas mãos na balança da justiça e na balança das eleições, a democracia estará seriamente ameaçada.”

Primeiro turno

“É muito importante que todas as forças democráticas, da esquerda à direita, formem uma grande aliança para derrotar a ameaça autoritária. É de extrema importância que líderes políticos reconheçam que há uma crise, que ‘a casa está caindo’, e construam uma aliança para defender a democracia. E isso não tem sido feito de forma consistente nem nos Estados Unidos nem no Brasil. Não deveria haver três, quatro ou cinco candidatos na eleição contra Bolsonaro, deveria haver um único candidato. Deveria haver uma oposição unida.”

“Bolsonaro provavelmente vai perder, e ele vai tentar deslegitimar o resultado das eleições, com certeza. Não sei se ele conseguirá, mas ele vai tentar, seus seguidores vão tentar, e talvez até alguns militares vão tentar. Bolsonaro vai tentar criar uma crise. Da mesma forma que Donald Trump criou. O melhor caminho, no meu ponto de vista, para evitar essa crise, é derrotar fortemente Bolsonaro logo no primeiro turno. Uma votação de 62 a 38, para que ninguém possa negar que Bolsonaro foi derrotado de lavada. Se a diferença for pequena, será muito mais fácil para Bolsonaro questionar a legitimidade das eleições. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos, um resultado muito acirrado.”

Bolsonaro patético

Ele é um político bem abaixo da média, bem medíocre. Muito idiota, politicamente, às vezes. Ele poderia ter feito muito mais para consolidar seu poder nos primeiros anos de mandato do que ele fez. Tomou decisões que o isolaram e o alienaram do Congresso. E fico muito feliz que ele esteja na política. Graças a Deus que Bolsonaro é um político tão incapaz, porque ele é a figura mais abertamente autoritária a ser eleita em qualquer democracia ocidental que eu conheço no século XXI. Falamos de um sujeito que nem finge ser democrático, que nem finge estar comprometido com igualdade de direitos, com direitos humanos, com liberdade de imprensa. É um cara que aplaude todos os golpes que testemunha. É uma figura muito perigosa, essa que o Brasil elegeu em 2018. Se ele tivesse o poder que Hugo Chávez acumulou, que Rafael Correa acumulou, que Viktor Orbán acumulou, que Putin acumulou, se ele tivesse esse poder e esse talento, ele teria feito um dano muito maior à democracia brasileira. Mas por sorte ele é uma figura bem medíocre, e às vezes patética, e isso pode ter salvado a democracia brasileira.”

Desafios da democracia

“Como a democracia é um sistema de competição aberta e pluralismo, ela nunca está livre de desafios. Sempre haverá ameaças em potencial. Elas podem vir na forma de candidatos ou partidos políticos que representem uma ameaça à democracia. Nós sempre temos que nos preocupar e estar atentos. O maior problema atual das democracia no mundo é o fato de que as pessoas se importam. E as populações em geral, incluindo no Brasil, estão insatisfeitas e bravas. O nível de confiança pública em políticos, partidos e governos democráticos está muito baixo. Quando as pessoas deixam de acreditar em políticos e governos democráticos, elas começam a procurar em outra parte, começam a dar atenção a figuras populistas e declaradamente autoritárias. Uma das saídas é descobrir uma forma de governar de acordo com as expectativas dos cidadãos.”

Fonte: Roda Viva (acesse aqui)

Autor: Steven Levitsky

Publicado em: 19/09/2022