“ELE TEM CONDIÇÕES DE PARALISAR O PAÍS E FAZER UMA INSURREIÇÃO GENERALIZADA COMO NINGUÉM TEM. MAS SERIA MUITO ARRISCADO.”

Miguel Lago – Agência Pública – 20/10/22

Em entrevista a Paula Bianchi, da Agência Pública, o cientista político Miguel Lago, autor do livro Do que falamos quando falamos de populismo (com Thomás Zicman de Barros), diz que Bolsonaro está sintonizado com o Brasil de hoje, muito transformado nas últimas décadas.

Em caso de derrota nas urnas, teria todas as condições de promover uma insurreição generalizada, mas Lago acredita que o risco é muito alto e Bolsonaro preferirá seguir os passos de Trump.

Condições para o golpe

Se perder, precisa contestar o resultado das eleições. É como fez na pandemia: precisa sempre criar dissenso. O tempo todo, ele só surfa no dissenso. Onde existe consenso, Bolsonaro murcha.

Será que ele vai convocar os caminhoneiros a bloquearem as rodovias do país? Será que vai incitar as polícias militares a fazerem greves? Será que vai incitar os mais de 2 mil clubes de tiro criados em sua gestão, e os quase 700 mil CACs, a irem para a rua atirar em pessoas? Será que vai fazer uma revolução no sentido de uma insurgência em que ele toma de assalto o país e diz que não aceita o resultado, que fica? Acho que ele tem todas as condições para isso. Ele armou a população, tem uma estratégia de comunicação direta com os policiais. Nesse sentido, o Exército é irrelevante. Só precisa ficar quieto.

Mas seria muito arriscado para o Bolsonaro. Imagine sustentar isso no longo prazo. Com os Estados Unidos sendo contra, a Europa, você começa a ter bloqueios de fora. O empresariado não vai ficar calado, tampouco. Seria uma batalha muito mais dura para Bolsonaro, um fim precoce.

Não acho que faça sentido, embora eu ache que ele tem condições de paralisar o país e fazer uma insurreição generalizada como ninguém tem. Acho que a melhor estratégia para ele é dar uma de Trump.

A maior força política do Brasil

Tanto a esquerda quanto a direita antibolsonarista menosprezam muito o Bolsonaro, como se ele fosse um idiota, sendo que ele fez algo extraordinário, que é ganhar uma eleição presidencial com pouquíssimos segundos de televisão, com pouco dinheiro, sem boas articulações estaduais.

O bolsonarismo é uma força política muito resiliente e, mesmo que perca a eleição, vai continuar sendo a maior força política do Brasil. A grande força política que está articulada, mobilizada, que tem ânimo, que tem vontade, é o bolsonarismo, não é o lulismo.

Bolsonaro está muito mais sintonizado com os dias de hoje. Ele tem uma máquina extraordinária de comunicação que ninguém tem, sabe comunicar como ninguém. É capaz de segmentar a comunicação e tudo que um certo segmento da população escuta vem a partir dele. É uma estratégia de canal. Ele se torna absolutamente hegemônico em canais específicos.

O Lula tem muita força. Ele. Mas essa força não se traduz na capacidade do cabo eleitoral dele. Bolsonaro elegeu um astronauta que nunca fez nada na vida. Lula tinha como candidato um ex-governador de São Paulo (Márcio França), e perdeu.

Congresso não é bolsonarista

O Congresso eleito não é bolsonarista; é, como sempre, corrupto. Boa parte dos deputados do partido do Bolsonaro não são bolsonaristas, são do Centrão, e o Centrão está sempre com quem estiver no governo. Não vejo qualquer problema de governabilidade para o governo Lula. Mas sim a possibilidade de um nível de oposição organizada ao governo que nunca se viu.

Em sintonia com o Brasil

O Brasil mudou muito nos últimos vinte anos. Ainda é o maior país católico do mundo, mas a identidade religiosa mais importante no país hoje não é mais a católica, nem de perto. Boa parte dos fiéis católicos não vai à missa. A identidade católica não é algo fundamental no seu dia a dia, como é o caso da identidade neopentecostal, que condiciona uma série de decisões na sua vida. Essa nova identidade religiosa, ainda que seja minoria, é militante e muito mais bem articulada.

Segundo, temos o agro. Não é o motor da economia, mas é o setor mais emergente, mais pujante. Criou toda uma identidade política muito forte. Se promoveu uma cultura sertaneja, a música sertaneja, a cultura do rodeio, do interior do Brasil, um Brasil rico que não era o caso 30 anos atrás.

Bolsonarismo soube dialogar muito bem com esse grupo, soube sobretudo pautar esse setor, como fez com os neopentecostais. Bolsonaro está mais em sintonia com esse Brasil que emerge, com o qual as elites brasileiras não estão acostumadas.

A terceira grande mudança é a descentralização da produção de informação.

A elite é o MST

O anti-intelectualismo é um dos principais eixos do movimento. São contra “intelectuais” não apenas acadêmicos, mas da sociedade, orgânicos. Lideranças de movimentos sociais são intelectuais. A elite para o Bolsonaro é o MST. O povo é o latifundiário, que só está querendo produzir na sua terra. O povo é o cidadão de bem e a elite é aquele que não deixa o cidadão de bem trabalhar. A elite são todos os “intelectuais” da sociedade que, na cabeça do Bolsonaro, dependem do Estado e não deixam os empresários trabalharem.

Bolsonaro reeleito?

Certamente aumentaria o número de juízes do STF, perseguiria inimigos políticos. Não tenho nenhuma dúvida de que a agenda dele será absolutamente antidemocrática e perigosa. Só não sei se vai tomar um sentido mais clássico de autocracia, como a gente já conhece, ou uma coisa nova, pior.

Fonte: Agência Pública (acesse aqui)

Autor: Miguel Lago

Publicado em: 20/10/2022