Análise de mais de 30 horas de gravações mostra que extremistas se guiaram por manifestações do ex-presidente.
A tomada das sedes dos três Poderes por uma horda radical, em 8 de janeiro, ecoou em gritos de guerra e pichações os discursos extremistas repetidos exaustivamente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao longo do mandato, que se acirraram ao longo de 2022, com a proximidade das eleições.
O Estadão analisou mais de 30 horas de vídeos gravados e divulgados pelos extremistas no domingo e encontrou, durante os ataques, reproduções literais de mensagens propagadas pelo ex-presidente.
Para o jornal, o discurso de Bolsonaro na convenção do PL, em 24 de julho, foi o estopim da marcha que resultou nas invasões e destruições de áreas do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Naquele dia, o então presidente se lançou à reeleição e, classificando os apoiadores como “exército”, puxou um juramento. “Repitam aí: ‘Eu juro dar minha vida pela minha liberdade’”, pediu ele. Todos repetiram a mensagem em coro. “Mais uma vez…”, apelou Bolsonaro, incentivando a plateia a falar ainda mais alto.
Da convenção do PL aos atos de violência do último dia 8, um período de cinco meses, Bolsonaro repetiu um roteiro de como questionar o processo eleitoral. “Se eu não for eleito com 60% dos votos no primeiro turno, algo de errado ocorreu no TSE”, disse ele ao SBT, em 19 de setembro. “Fomos roubados. Fomos roubados descaradamente”, gritou em 8 de janeiro Fabrizio Cisneros, que invadiu o Supremo usando um boné com o nome do ex-presidente.
No segundo andar do Palácio do Planalto, extremistas penduraram uma faixa com a seguinte mensagem: “Queremos eleições livres, auditáveis e transparentes”.
Ataques ao STF foram uma constante nas lives e discursos presidenciais. “Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo”, provocou Bolsonaro na convenção do PL. “Supremo é o povo!” foi um dos gritos de guerra mais presentes nos vídeos dos próprios manifestantes.
“O poder emana do povo” e “Mais importante do que a vida é a liberdade” foram outras frases usadas pelo então presidente e repetidas depois por extremistas.
“Quem decide são vocês”
Em 9 de dezembro, depois de um longo período de silêncio que seguiu-se à derrota eleitoral, Bolsonaro falou com simpatizantes que estavam acampados em frente ao Quartel-General do Exército e foram até o Palácio do Alvorada. Ali, deixou claro que contava com uma insurreição popular: “Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vão a Câmara e o Senado são vocês também”.
O discurso foi citado no dia 8 por Ana Priscila Azevedo, uma das golpistas que acabou presa por invadir as sedes dos três Poderes e anunciar a intenção de “sitiar” Brasília.
“Eu postei lá dentro do Telegram um vídeo do presidente Bolsonaro, deve ter mais ou menos uns três minutos. Ele conta que as Forças Armadas nunca vão dar um golpe”, disse Ana Priscila durante o protesto. “Tudo parte do povo. Nós, o povo, é que temos as rédeas, o controle da situação nas nossas mãos. É por isso que vamos sitiar Brasília, porque estão chegando caravanas do Brasil inteiro. Nós vamos cercar os Três Poderes”, anunciou a extremista durante reunião preparatória para os atos.
Dias antes das cenas de terror em Brasília, Bolsonaro disse para uma apoiadora em Orlando, onde se refugiou antes do fim do mandato: “O melhor está por vir”. Manifestantes radicais que foram às ruas falavam abertamente na volta de Bolsonaro ao poder. “É isso aí, Jair Messias Bolsonaro. Você vai estar voltando para essa Nação para continuar seu governo”, disse o missionário Felício Quitito, após invadir o plenário do Senado.
Homem se autoimola em protesto contra STF
O fanatismo bolsonarista continuou causando mortes depois da fracassada tentativa de golpe. No dia 31 de janeiro, um homem de 58 anos se autoimolou em frente à Catedral Metropolitana de Brasília, em protesto contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Gritava coisas como “Morte ao Xandão” e anunciava que sacrificaria a própria vida para “denunciar” o STF – levando à risca o pedido do líder de “dar a vida pela liberdade”. Junto a ele foram encontrados cartazes associando Moraes a Adolf Hitler e com o bordão “Perdeu, mané!”, frase dita pelo ministro Luís Roberto Barroso a um bolsonarista que o assediou em Nova York. A frase foi muito utilizada para inflamar a revolta entre os grupos bolsonaristas nas redes sociais e foi pichada nos vidros e em uma estátua da Justiça durante a invasão do STF.
Levado a um hospital, o homem não resistiu e morreu. Movida a ódio e extremismo, a retórica bolsonarista fez explodir a violência política no país
Fonte: Estadão (acesse aqui)
Autor: Julia Affonso, Daniel Weterman e Vinícius Valfré
Publicado em: 16/01/2023