Denúncia sobre rádios revela-se fraude e presidente busca apoio para escalar golpismo. Dia termina com discurso vitimista.
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A uma semana do segundo turno, a cena surreal de Roberto Jefferson resistindo à prisão aos tiros e granadas contra a Polícia Federal poderia ser a última cartada na tentativa de radicalização bolsonarista para inviabilizar as eleições. Poderia?
Malu Gaspar, em O Globo, parafraseia o Barão de Itararé para lembrar que, “de onde só se espera golpismo, não sai nada além de golpismo mesmo”.
“Ninguém duvidava que Jair Bolsonaro não aceitaria outro desfecho para esta eleição além da própria vitória. Mas, depois do fiasco produzido pela auditoria dos militares sobre as urnas eletrônicas — aquela que ninguém viu, mas que todo mundo sabe ter atestado a segurança do sistema eleitoral —, parecia que o presidente havia finalmente aceitado o que seus estrategistas não se cansavam de repetir, com base no que viam nas pesquisas: o brasileiro médio não quer saber de confusão”.
Até o “Jefferson Day”, a campanha de Bolsonaro até tentou ensaiar um personagem mais moderado, arrependido dos erros, pedindo desculpas. Ainda havia alguma esperança de vitória nas urnas. Coordenador da campanha da reeleição, Flávio Bolsonaro conquistou manchete n’O Globo ao dar entrevista dizendo que o pai “está com a inteligência emocional cada dia melhor“.
Mas as pesquisas não confirmaram a ilusão de uma virada, e Bolsonaro fez o que se espera dele: mais uma fraude para melar as eleições.
O dossiê inexistente
Na segunda-feira, 24 de outubro, a campanha de Bolsonaro entrou com ação junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por supostamente ter descoberto que emissoras de rádio do Nordeste teriam deixado de transmitir inserções de propaganda eleitoral do candidato. “Tensos, falando em fraude e grave violação do sistema eleitoral, o ministro [das Comunicações] Fábio Faria e o assessor Fabio Wajngarten disseram ter provas de que milhares de peças publicitárias pró-Bolsonaro teriam sumido da programação de ‘inúmeras’ emissoras”.
O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, rejeitou o pedido de investigação pela inconsistência da denúncia: “Os autores foram alterando suas alegações, chegando a expressamente admitir a existência de pedido incerto e não definido, ao afirmarem que ‘o total dos dados somente poderá ser apresentado e checado totalmente ao fim das investigações judiciais’. Não bastasse essa alternância de pedidos genéricos, incertos e não definidos, os requerentes não trouxeram qualquer documento suficiente a comprovar suas alegações”.
Diante da ausência de provas, Moraes determinou apuração por crime eleitoral por parte da campanha de Bolsonaro, com “a finalidade de tumultuar o segundo turno do pleito em sua última semana”. E ainda exonerou um funcionário do TSE, Alexandre Gomes Machado, por “reiteradas práticas de assédio moral, inclusive por motivação política”. Machado foi à Polícia Federal reforçar a denúncia da campanha bolsonarista. “As alegações feitas pelo servidor em depoimento perante a Polícia Federal são falsas e criminosas e, igualmente, serão responsabilizadas”, divulgou o TSE, em nota.
Adiar as eleições
A falsa denúncia foi replicada pelos sites, grupos e redes bolsonaristas, aditivando hashtags indignadas e exigindo o adiamento das eleições. O presidente marcou uma coletiva para o final do dia na quarta-feira, 26, e segundo Natuza Nery, da GloboNews, estaria disposto a radicalizar e ensaiando “um discurso de ruptura institucional”. Aliados do Centrão, no entanto, teriam demovido Bolsonaro de encarnar novamente o golpista, argumentando que ele ainda teria chances eleitorais. Até mesmo ministros convidados a acompanhar o discurso teriam se recusado a comparecer, temendo seus rompantes. Ladeando o presidente, no fim das contas, estavam o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e o ministro da Justiça, Anderson Torres.
O discurso foi queixoso e vitimista. Com a desgastada referência a “jogar dentro das quatro linhas” da Constituição, Bolsonaro prometeu “ir às últimas consequências” e recorrer da decisão do TSE. Ou seja: aparentemente não vai romper antes das eleições, mas já tem a carta na manga para rasgar a fantasia moderada e convocar os radicais a contestar o resultado no domingo, caso perca.
Como escreveu Thiago Amparo, na Folha, o Jefferson de hoje é o Bolsonaro de amanhã.
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Fonte: O Globo (acesse aqui)
Autor: Malu Gaspar
Publicado em: 27/10/2022