Rejeição à democracia, negação dos oponentes, violência, censura: candidato a autocrata aposta em novo capítulo de Como as democracias morrem.
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Autores de um dos guias essenciais para entender a atual escalada da extrema-direita mundial, Como as democracias morrem (2018), Steven Levitsky e Daniel Ziblatt elencam quatro quesitos para avaliar o risco à democracia apresentado por determinadas candidaturas. Se apenas um deles é atendido, já deve ser motivo de preocupação. “Bolsonaro se encaixa com perfeição em todos os quatro”, escreve Camila Rocha na revista Piauí.
1. Rejeição às regras do jogo democrático
Atacar os Poderes, duvidar das urnas, desrespeitar a Constituição, negar direitos civis e políticos básicos, ameaçar golpe, recusar o resultado eleitoral, valorizar a ditadura e a tortura… Toda a trajetória pública de Bolsonaro foi construída pelo desprezo absoluto e declarado pela democracia.
2. Negação da legitimidade dos oponentes
“Isso significa acusar os rivais de subversivos, afirmar que representam uma ameaça existencial à segurança nacional e ao modo de vida predominante e desqualificá-los como criminosos ou agentes estrangeiros sem qualquer fundamentação. Nesse sentido, o discurso bolsonarista é irretocável. Todas as lideranças progressistas brasileiras seriam comunistas e agentes do ‘globalismo’ que ameaçam o país e os valores da pátria. Petistas contam com o adicional de serem insistentemente taxados de corruptos, criminosos e mentirosos”. Chega-se ao ponto da desumanização do adversário, o que nos leva ao próximo quesito.
3. Estímulo à intolerância e à violência
O discurso agressivo e intolerante de Bolsonaro vem incitando episódios de violência política por parte dos seguidores mais radicais. Os autores também apontam como traço comum aos candidatos a ditadores os laços com organizações ilícitas (milícias fluminenses, desmatadores e garimpeiros na Amazônia), a recusa em condenar e punir atos de violência (emblemática no desdém pelos assassinatos de Marielle Franco, Dom e Bruno) e elogios à violência política no passado (ditadura brasileira) ou em outros lugares do mundo.
4. Perseguição e censura a oponentes e à mídia
Xingamentos e ataques virtuais e presenciais a jornalistas (sobretudo mulheres) se tornaram rotina no governo Bolsonaro. Levantamento de um coletivo de entidades ligadas à cultura registrou 211 casos de censura entre 2019 e 2022, 91% deles partindo do Poder Executivo. Como comparação, entre 2016 e 2018, foram registrados apenas 16 episódios. O governo federal também produziu um mapa de influenciadores classificados como favoráveis, neutros ou detratores em relação a Bolsonaro. Com a chegada do período eleitoral, os ataques voltam-se aos institutos de pesquisa: após o primeiro turno, o líder do governo da Câmara, Ricardo Barros, apresentou projeto de lei para criminalizar empresas de pesquisa cujos resultados se afastem do que for apurado nas urnas, prevendo até penas de prisão.
Como se defender?
“Diante de uma ameaça autoritária iminente, Levitsky e Ziblatt argumentam que o papel desempenhado pelo sistema político como barreira de contenção é fundamental. Ou seja, o apoio ou rejeição explícitos por parte de lideranças políticas tradicionais são decisivos, sobretudo daquelas que pertencem ao mesmo campo político da candidatura potencialmente autoritária e que possuem cargos políticos relevantes”.
Neste sentido, o amplo espectro da aliança formada por Lula e Geraldo Alckmin – que no segundo turno ganhou nomes de peso das gestões tucanas e dos economistas do Plano Real – poderia ser recebido como um sinal de alívio: de Marina Silva a Henrique Meirelles, de Fernando Henrique Cardoso a Simone Tebet, de Ciro Gomes a Joaquim Barbosa, parece se formar uma inédita e contundente coalizão nacional em defesa da democracia.
Mas na terra arrasada que virou a política institucional brasileira, todo esse suposto capital eleitoral pode significar nada. Ou, ainda pior, ser usado como argumento pelos que desejam implodir “a velha política”: se boa parte do eleitorado ainda vota “contra tudo isso que está aí”, o candidato a autocrata, que se diz antissistema, mantém-se com chances. E o Brasil a um passo de escrever seu segundo capítulo de Como das democracia morrem.
Fonte: Piauí (acesse aqui)
Autor: Camila Rocha
Publicado em: 06/10/2022