Em discurso para embaixadores e diplomatas, Bolsonaro dispara 20 acusações falsas contra sistema eleitoral.
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No ato mais ousado de golpismo até aqui, Jair Bolsonaro resolveu oficializar, diante de mais de 30 embaixadores e 70 diplomatas, sua mentirosa narrativa de fraude eleitoral. Em monólogo de menos de uma hora sem direito a perguntas ou esclarecimentos, o presidente disparou vinte acusações falsas contra o sistema eleitoral, atacou adversários e ministros do STF e distorceu fatos.
O chefe do Executivo concentrou suas críticas nos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Fachin é o atual presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Barroso presidiu a corte eleitoral e Moraes deve comandar o tribunal durante as eleições. Bolsonaro acusou o grupo de querer trazer instabilidade ao país, por desconsiderar as sugestões das Forças Armadas para modificações no sistema, a menos de três meses da disputa. “Por que um grupo de três pessoas apenas quer trazer instabilidade para o nosso país, não aceita nada das sugestões das Forças Armadas, que foram convidadas?”, disse.
O presidente tentou adotar um tom ameno, como se buscasse dar um verniz de seriedade a mais um punhado de ilações sem provas ou indícios ao sistema eleitoral, no momento em que aparece distante do ex-presidente Lula nas pesquisas de intenção de voto. No início do encontro, disse que basearia a apresentação em um inquérito da PF (Polícia Federal) sobre o suposto ataque hacker ao TSE durante as eleições de 2018. “Segundo o TSE, os hackers ficaram por oito meses dentro do computador do TSE, com código-fonte, senhas —muito à vontade dentro do TSE. E [a Polícia Federal] diz, ao longo do inquérito, que eles poderiam alterar nome de candidatos, tirar voto de um e mandar para o outro”, disse Bolsonaro.
No Brasil, nunca houve registro de fraude nas urnas eletrônicas, em uso desde 1996.
Fachin: “inaceitável negacionismo”
O presidente do TSE, Edson Fachin, foi convidado ao evento mas recusou porque, como chefe do tribunal, “por dever de imparcialidade”, não poderia comparecer a um ato de pré-candidato.
Em palestra na Ordem dos Advogados do Paraná (OAB-PR), classificou a apresentação como uma “encenação”. Sem mencionar o nome de Bolsonaro, afirmou que há “inaceitável negacionismo eleitoral por parte de uma personalidade pública” e uma “muito grave” acusação de fraude sem provas.
Criticou o que chamou de “teia de rumores descabidos”, “narrativas nocivas” e “populismo autoritário”, e repetiu que não existe nenhuma possibilidade de interferência externas nas urnas eletrônicas, já que elas não são conectadas à internet.
Longo histórico de ataque às urnas
Por meio de uma profusão de mentiras, Bolsonaro vem fomentando a descrença nas urnas. No entanto, ao invés de ser barrado por aqueles ao seu redor, o mandatário tem contado com o respaldo de militares, membros do alto escalão do governo e seu partido em sua cruzada contra a Justiça Eleitoral.
As Forças Armadas têm repetido o discurso de Bolsonaro. Em ofício recente, solicitaram ao TSE todos os arquivos das eleições de 2014 e 2018, justamente os anos que fazem parte da retórica de fraude do presidente.
Antes de ser eleito em 2018, Bolsonaro já dizia que só não ganharia se houvesse fraude.
O discurso aparenta funcionar como um plano B para o caso de perder o pleito. Também foi usado como tentativa de pressionar o Congresso pela aprovação do voto impresso.
Em 2021, veio a mais forte ameaça golpista ligada ao tema. Em conversa com apoiadores, Bolsonaro disse que “a fraude está no TSE” e atacou o então presidente da corte eleitoral e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, a quem chamou de “idiota” e “imbecil”.
“Não tenho medo de eleições, entrego a faixa para quem ganhar, no voto auditável e confiável. Dessa forma [atual], corremos o risco de não termos eleição no ano que vem”, disse.
A fala ocorreu após uma sequência. No dia anterior, também ao falar com apoiadores, fez outra ameaça semelhante: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”.
Fonte: Folha de SP (acesse aqui)
Autor: Cézar Feitoza, Marianna Holanda e Matheus Teixeira
Publicado em: 18/07/2022