O “golpe” do 7 de setembro foi um crime eleitoral

Após ameaças e intimidações, Bolsonaro transforma a data em enorme evento de campanha com dinheiro público. Veja análises e notícias do dia.

O que está em jogo

Na Folha, Igor Gielow fornece uma útil lista de perguntas e respostas sobre o que está em jogo nessa inédita celebração de atos ao mesmo tempo eleitorais, cívico-militares e golpistas. Segundo ele, entre os 16 generais do Alto Comando do Exército, apenas dois ou três foram “ambíguos” quanto às desconfianças presidenciais sobre o sistema eleitoral. Diferentemente de 1964, a elite financeira brasileira se posicionou em defesa da democracia, e não há apoio internacional a um golpe de Estado.

No entanto, diante de eventuais episódios violentos no 7 de setembro, “se o governo local não conseguir ou não quiser controlar os bolsonaristas, e a atual gestão é alinhada ao Planalto, teria de chamar as Forças Armadas”. Tal alinhamento foi posto à prova na véspera dos atos: Bolsonaro mandou liberar a entrada de caminhões na Esplanada dos Ministérios, mas o governador Ibaneis Rocha se recusou.

“A opção”, continua Gielow, “é isso ser feito pelo chefe do Legislativo ou do Judiciário. Mas aí vem o impasse: eles teriam de fazer o pedido a Bolsonaro. Se ele se recusasse a aceitá-lo, há um entendimento no STF de que a corte poderia assumir a rédea do processo, na prática destituindo o presidente de sua função. Seria caótico”.

Convocações bolsonaristas

Com a aproximação do 7 de setembro, a imprensa acompanhou os bastidores das convocações para os atos que, a pretexto de celebrar o bicentenário da Independência, servem de palanque eleitoral a Jair Bolsonaro com participação das Forças Armadas e ataques à democracia.

O inédito chamamento público de Eduardo Bolsonaro para que brasileiros armados se se tornem “voluntários” do presidente dá o tom da escalada de radicalismo nos meios bolsonaristas.

O jornal O Estado de São Paulo acompanhou as publicações de 25 influenciadores digitais já fichados pela Polícia Federal por atos antidemocráticos anteriores. Juntos, eles têm mais de 30 milhões de seguidores. “O grupo de radicais incentiva a presença nas ruas no feriado e fala em mortes entre ‘inimigos do Brasil’, ‘expulsar demônios’ e fim dos ‘discursos moderados’ contra a ‘tirania’”. Entre os bolsonaristas listados na reportagem estão o ex-deputado Roberto Jefferson (cuja candidatura à Presidência foi cassada pelo TSE) e o blogueiro Allan dos Santos, foragido nos Estados Unidos.

No Whatsapp e no Telegram, grupos bolsonaristas adotam tom alarmista, espalhando mensagens com fake news sobre urnas e ataques a ministros e adversários. “Preparem-se para a guerra!”, postou um membro de grupo com 32 mil pessoas no Telegram. “Nesta guerra do bem contra o mal o bem vence”, publicou usuária de outro grupo, com mais de 60 mil membros na mesma rede.

A mensagem mais compartilhada afirma que, segundo “pesquisas internas” Bolsonaro venceria a eleição e, por isso, o PT reagiria. Os atos seriam um antídoto ao “golpe” da esquerda: “O futuro dos nossos filhos e famílias está nas nossas mãos”.

Também circulam conspirações sobre planos de assassinato de Bolsonaro e de cassação da chapa à reeleição, e pedidos para que o presidente convoque as Forças Armadas e reaja com “o pé na porta” contra o Supremo Tribunal Federal e uma suposta fraude eleitoral.

O Globo reporta a ação de youtubers que usam tom golpista e arrecadam dinheiro via Pix para turbinar atos, financiados pelo agronegócio e evangélicos. Influenciadores digitais bolsonaristas citam uma “ruptura institucional definitiva” caso avancem as investigações sobre compra de imóveis com dinheiro vivo pelo clã Bolsonaro. Exaltam o fato de as Forças Armadas se juntarem “ao povo”. “Imagine você, os militares desfilando, muito perto do povo, prestando continência, e as pessoas ali gritando ‘salva o Brasil, queremos eleições limpas’. A gente sabe que tudo isso vai mexer muito com as Forças Armadas, e eles sabem disso também” — afirma Alan Lopes Santana (PL-RJ), candidato a deputado estadual, em um de seus vídeos.

“A ação que a gente prega é o cara (Lula) não assumir. Se o Bolsonaro der um chute no balde e acabar com tudo, eu estou dentro”, afirmou a O Globo o sargento Paulo Roberto Roseno Júnior, candidato a deputado federal pelo PRTB. Ele defende que Bolsonaro “acione as Forças Armadas para destituir os onze ministros do STF”.

A Folha de S. Paulo registra que os grupos bolsonaristas têm mensagens dissonantes. Levantamento do Observador Folha/Quaest mostra que, por um lado, circulam textos em torno das ideias de “democracia” e “liberdade”; mas a maior parte das convocações são antidemocráticas, com brados como “fora, STF” , pedidos para que Bolsonaro “acione as Forças Armadas” e expressões como “voto impresso e contagem pública”, “limpe o STF”, “acabe com o comunismo” e “faça o saneamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal”.

Reação democrática

Em resposta e como prevenção ao golpismo, as instituições e a sociedade civil se mobilizam.

Em 2 de setembro, informa o Poder 360, a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicou regra proibindo que juízes façam publicações nas redes sociais que contribuam para o “descrédito do sistema eleitoral brasileiro” ou provoquem “infundada desconfiança social” sobre a Justiça, a segurança e a transparências das eleições.

Na Folha, Monica Bergamo informa que o mesmo CNJ baixou norma para que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais de todo o país criem juízos especializados no combate à violência política.

No Rio de Janeiro, o Ministério Público Federal cobrou das Forças Armadas medidas para evitar que as celebrações oficiais do 7 de Setembro no estado sejam confundidas com atos de campanha. A Procuradoria também cobrou formas de prevenir o envolvimento de militares em manifestações político-partidárias.

No dia 5 de setembro, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a eficácia de portaria e trechos de decretos de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas e munições no Brasil. Justificou a decisão pelo risco de de violência política, que torna “de extrema e excepcional urgência” a adoção de tal medida.

Jamil Chade, no UOL, relata que a comunidade internacional está em alerta máximo. Células de crise foram adotadas por instâncias estrangeiras para monitorar os atos, e embaixadas não descartam adotar protocolos de segurança. Nos últimos dias, telegramas confidenciais alertam governos estrangeiros de que o 7 de setembro deve ser “tenso” e marcaria, potencialmente, um momento chave nas eleições brasileiras.

O Estado de São Paulo noticia que os articuladores de atos pró-democracia abriram diálogo com militares. “A preparação para a data é acompanhada nos bastidores, em interlocução com representantes dos militares, polícias e diplomatas”. Afirma Oscar Vilhena, professor de Direito da FGV e um dos articuladores da carta-manifesto pela democracia lançada em 11 de agosto: “Estamos em vigília. Mas não se trata de uma vigília passiva. Neste momento, temos mantido diálogo com os diversos setores do Estado brasileiro, inclusive segurança e Forças Armadas”,

Fonte: Vai ter golpe? (acesse aqui)

Autor: Vai ter golpe?

Publicado em: 07/09/2022