Ataque de Jefferson pode precipitar novos atentados

Plano de provocar prisão e resistir parece ter saído de controle. Bolsonarismo mudou de discurso ao longo do dia. Extremistas estariam convocados a agir.

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Nova facada ou atentado do Riocentro? No calor das primeiras repercussões, é difícil saber para que lado vão os efeitos políticos do mais grave acontecimento do ano, a uma semana do segundo turno: após provocar uma nova ordem de prisão contra si, o bolsonarista Roberto Jefferson recebeu a Polícia Federal aos tiros e lançando granadas.

O plano

Ao que tudo indica, a ação foi planejada com o objetivo de alimentar a narrativa de que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estariam perseguindo injustamente Bolsonaro e seus seguidores. Jefferson, que estava em prisão domiciliar, vinha violando repetidamente medidas cautelares como não receber visitas e não conceder entrevistas. Na véspera da prisão, usou a conta de sua filha no Twitter para postar xingamentos à ministra Cármen Lúcia, do STF e TSE – de modo a transformar o caso em mais um exemplo da suposta “ditadura do Judiciário” contra a liberdade de expressão.

A revolta nas redes bolsonaristas já havia subido de escala depois que o TSE decidiu punir abusos da campanha e conceder direitos de resposta a Lula. Uma nova prisão cumpriria o papel de desencadear uma onda de indignação entre os extremistas, com possíveis desdobramentos violentos. Com reduzidas chances de vitória nas urnas, Bolsonaro teria a lucrar com uma conflagração nacional que inviabilizasse a realização do segundo turno.

Apoio à insurreição

As primeiras reações ao episódio reforçam a impressão de ação orquestrada para gerar uma revolta popular contra o Judiciário, como bem apontou no Twitter Carlos Alberto Jr., do canal Roteirices. Em nota, Bolsonaro repudiou “as falas” e a “ação armada” de Roberto Jefferson, mas classificou de inconstitucionais os processos contra seus seguidores. Eleito senador, o vice-presidente, general Mourão, mencionou “as falas” de Jefferson, omitiu a reação armada, e afirmou que “o sistema de freios e contrapesos” entre os Poderes “não está funcionando”. O ministro da Justiça, Anderson Torres, chamou o caso de “momento de tensão, que deve ser conduzido com muito cuidado”, e disse estar empenhado para “apaziguar essa crise”. O senador eleito Sérgio Moro, novamente alinhado com o bolsonarismo, minimizou o ataque como ato “sem noção”.

As mídias bolsonaristas explicitamente incentivaram a insurreição armada. Dos Estados Unidos, Allan dos Santos divulgou vídeo no Instagram afirmando que “ação ilegal não se cumpre” e a legenda “Vão se submeter até quando?”. Rodrigo Constantino, comentarista da Jovem Pan, convocou os policiais a se insurgirem contra a lei: “A polícia não pode obedecer uma ordem tão absurda! Ao fazer isso admite que virou mesmo uma espécie de Gestapo…”. O deputado Daniel Silveira, condenado por conspirar contra a democracia, convocou bolsonaristas a se dirigirem à residência de Roberto Jefferson para defendê-lo: “O inquérito é ilegal, a prisão é ilegal. Não vai acontecer uma ditadura no Brasil”. O pastor e deputado Otoni de Paula gravou vídeo afirmando que Bolsonaro “tomou a decisão de mandar as Forças Armadas proteger o nosso Roberto Jefferson”.

Recuo estratégico

Ao longo do dia, porém, o discurso bolsonarista oficial mudou de rumo. Provavelmente não estava no script que Jefferson atacasse os policiais.

“A ideia de reforçar os ataques contra o Supremo vem circulando nos grupos bolsonaristas do Telegram há dias, com uma articulação muito grande. No entanto, Jefferson se precipitou e errou na execução do plano. Ao atirar com fuzil e granada contra a Polícia Federal, o ex-deputado criou uma crise que inverteu a situação e hoje os holofotes estão sobre ele, não sobre a Corte”, escreveu Fernando Abrucio no Estadão.

Em live, Bolsonaro procurou se desvincular de Jefferson: “Não existe uma foto minha com ele”. Em vídeo no Twitter, afirmou que “determinou a prisão” e que “o tratamento dispensado a quem atira em policial é o de bandido”. Para Sérgio Moro, o que antes era um ato “sem noção” transformou-se horas depois em “crime gravíssimo e injustificável”. O ministro Anderson Torres, que pretendia “apaziguar a crise”, reapareceu chamando o ataque de “covarde”. Em vídeo, se solidarizou com os policiais atacados e também com a ministra Cármen Lúcia (novamente dando a entender que a prisão teria se dado pelas ofensas a ela).

Rodrigo Constantino, que chamara a PF de Gestapo, passou a associar Roberto Jefferson ao PT, depois pediu que se encerrasse o assunto e retomou a narrativa contra a “censura”. Allan dos Santos anunciou que apagará suas contas no Instagram e deixará de comentar a política brasileira. O perfil de Daniel Silveira no Twitter foi suspenso.

Desdobramentos

Beatriz Bulla, no Estadão, monitorou as primeiras reações das altas instâncias do Judiciário sobre o episódio.

“A avaliação é de que a ação do petebista deve manter a coesão dos tribunais sobre o assunto e tende a minimizar críticas feitas ao ministro Alexandre de Moraes, ao menos entre a parcela mais moderada da sociedade. Há nas Cortes quem acredite ainda que os disparos do ex-deputado contra agentes incumbidos de prendê-lo pode bloquear o eventual apoio político de integrantes das forças de segurança, como Polícia Federal e Polícia Militar, ao bolsonarismo.

Nem todos são otimistas. Há ao menos um integrante dos tribunais de Brasília que teme que a repercussão em torno do caso escale a ponto de grupos tentarem evitar a realização das eleições, sob argumento de que o País está em estado de exceção”.

Café com a PF

Em vídeo que passou a circular mais tarde nas redes, vê-se Roberto Jefferson no interior de sua casa confraternizando com policiais federais, aos risos, após o ataque. Um dos policiais chega a dizer: “O que o senhor precisar, a gente vai fazer”. Até que ponto terá o bolsonarismo se entranhado nas forças de segurança, é dúvida que o país espera não ter que ver respondida na prática, caso em que a defesa da democracia tenha que se dar pela imposição das armas.

Nem nova facada, nem atentado do Riocentro. O que acontece no país não tem paralelo na História nacional. As consequências, assim, seguem imprevisíveis.

Fonte: Vai ter golpe? (acesse aqui)

Autor: Vai ter golpe?

Publicado em: 24/10/2022