O discurso político do comandante “legalista”

Escolhido por defender democracia, general Tomás Paiva simpatiza com golpismo e lamenta eleição de Lula.

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No mesmo dia 18 de janeiro em que discursou para a tropa do Comando Militar do Sudeste fazendo uma defesa da democracia e do respeito ao resultado eleitoral, o general Tomás Paiva fez uma reunião interna com subordinados. E o “vazamento” (nunca se sabe se intencional) dessa segunda fala serve para evidenciar o quão entranhada está a politização nos meios militares e o quão profundo é seu alinhamento com a ideologia da extrema direita, ou seja, com o fascismo à brasileira.

Em episódio dedicado a destrinchar a fala de mais de 1 hora, o podcast Medo e Delírio em Brasília ressalta diversos pontos no mínimo problemáticos do pensamento do atual comandante do Exército, que foi nomeado para o cargo três dias depois do discurso “legalista”. Lula decidiu demitir o comandante anterior, general Júlio César de Arruda, por conta de sua atuação diante dos atos golpistas de 8 janeiro.

Legalista, mas…

A fala “vazada” de Tomás Paiva é por vezes ambígua, por vezes claramente simpática ao golpismo.

O general critica a radicalização bolsonarista, mas elogia e isenta de qualquer erro o governo do ex-presidente (“O que ele não cumpriu é porque não deu”) e de seus ministros militares (em número recorde desde a ditadura).

Reconhece que as Forças Armadas auditaram o processo eleitoral e não encontraram fraude, mas ainda crê possa ter havido “falhas graves” na apuração, defende o voto impresso (“voto certificado”) e fala em “sensação de parcialidade” na atuação da Justiça Eleitoral.

Diz que quartel não é lugar de política, mas em vários momentos usa a primeira pessoa para se definir, junto aos militares, como membros da “bolha de direita, conservadora”. Portanto, qualifica com um “infelizmente” a eleição de Lula, resultado “indesejado” pela “maioria de nós”.

Alega que os acampamentos em frente a quartéis pedindo intervenção militar só se mantiveram por tanto tempo porque não houve pedido para desfazê-los por parte de nenhuma instituição da Justiça, e responsabiliza especificamente o governo Lula por, em sua primeira semana, não ter dado ordem para desmanchá-los.

Condena a tentativa de golpe de 8 de janeiro (“inaceitável”, “irascível, besta, burra”), mas se coloca do mesmo lado dos manifestantes (“a gente deu ferramentas para serem chamados de terroristas”) e reprova o ato por ter sido um “erro estratégico” (“que fortalece o adversário” e compromete a imagem militar) e pela sua inviabilidade (o golpe causaria sanções financeiras globais e “ia ter sangue na rua”). Ou seja, não faz uma recusa clara e direta da ideia de rompimento com o regime democrático. “Queriam derrubar o governo assim?” – o problema, para o general, parece ser o modo, e não a intenção.

Diz que “faria a mesma coisa” que o comandante do Exército demitido antes dele – referindo-se à noite de 8 de janeiro, quando o general Arruda descumpriu decisão judicial, bateu boca com o ministro da Justiça, Flávio Dino, e ameaçou o comandante da PM local para impedir a polícia de entrar no quartel-general de Brasília para prender os golpistas: “Ia rolar sangue”.

Tomás Paiva coroa sua fala lendo uma teoria da conspiração publicada em sites obscuros da extrema direita: “O badernaço de domingo caiu como uma luva para um projeto acalentado pelo presidente Lula, favorecendo o clima para uma reforma radical nas Forças Armadas, de acordo com o modelo da Venezuela do ex-ditador Hugo Chavez”.

No Estadão, o repórter Davi Medeiros também destacou trechos da gravação.

Fonte: Medo e Delírio em Brasília (acesse aqui)

Autor: Cristiano Botafogo e Pedro Daltro

Publicado em: 08/03/2023