Carolina Ricardo – O Globo – 24/09/22
A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz apresenta no blog Pulso, do jornal O Globo, um panorama do contexto pré-eleitoral marcado por violência, civis armados e ameaças diretas à democracia.
“A combinação entre a enxurrada de armas nas mãos de pessoas comuns e a retórica política violenta por parte do presidente da República é o grande risco à democracia em 2022. Intimida eleitores, candidatos e jornalistas. Estimula narrativas antidemocráticas. Promove um tudo ou nada que empobrece o debate e gera mais ciclo de violência”.
O espectro do medo
“A poucos dias do primeiro turno, um espectro ronda as eleições: do medo, do perigo e da ameaça. Numa sucessão presidencial que deveria motivar esperança e debate diante de quatro anos de retrocessos em temas-chave, é preocupante que o processo eleitoral tenha se convertido em temor e risco. Entre as categorias de voto útil e voto envergonhado, ganhamos a de voto amedrontado: pessoas que deixam de assumir em quem vão votar com medo de retaliações violentas”.
Ódio e armas
“A origem desse problema está no casamento entre o tom belicoso estimulado contra os opositores do atual governo aliado às constantes ameaças e questionamentos às instituições e ao sistema eleitoral e a uma deliberada e irresponsável política de incentivos à circulação de armas de fogo entre civis, agravada em ano eleitoral. São ameaças que correm em paralelo e se juntam no caminho. O efeito é o que temos: flagrantes riscos a eleitores e candidatos, ao sistema eleitoral e à democracia. (…) Só neste ano, 40 pessoas morreram vítimas da violência política, segundo o Observatório da Violência Política e Eleitoral da Uni-Rio“.
Terrorismo eleitoral
O medo de que o país enfrente uma onda de violência política, segundo Carolina Ricardo, poderia ser interpretado como terrorismo eleitoral.
“Ao longo dos últimos meses, o atual presidente da República tem dito repetidamente que pode desrespeitar as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), assedia jornalistas, incentiva seguidores a saírem às ruas para gritar em defesa do fechamento do STF e do Congresso e põe em dúvida a lisura e a transparência do sistema eleitoral, difundindo inverdades contra um sistema de votação eletrônica usado no Brasil com sucesso desde 1996. Tudo isso se soma ao que seu governo estimulou e fez em nome do descontrole da política de armas de fogo no país.
Exército civil
“Desde dezembro de 2018, o número de armas registradas passou de 350 mil para mais de 1,3 milhão. Hoje há muito mais armas nas mãos de civis do que com as forças de segurança, incluindo Exército e polícias. Foram mais de 900 milhões de munições vendidas nos últimos três anos e meio – quase cinco tiros para cada brasileiro. Tudo graças a mais de 40 novos regulamentos, feitos na canetada, sem passar pelo Congresso Nacional. (…) Algo que coloca todas as pessoas em risco e cria um exército civil armado que pode ser usado, por que não, em tumultos e afrontas em caso de não aceitação do resultado. (Como não lembrar da derrota de Donald Trump em 2020, a partir da qual seus apoiadores extremistas invadiram o Capitólio para questionar o resultado?)”.
Sociedade resiste
O texto destaca, por fim, os movimentos de resistência democrática por parte da sociedade e das instituições. Seja na carta pública que reunião mais de 1 milhão de assinatura ou na série de iniciativas semelhantes ao longo dos quase quatro anos de governo, seja em gestos recentes como o pedido das Polícias Civis para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) feche os clubes de tiro nos dias de eleição ou na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender, neste período, decretos e portarias de Bolsonaro que ampliaram o acesso às armas.
“O que o Brasil precisa é que sua democracia seja fortalecida e não o contrário.”
Fonte: O Globo (acesse aqui)
Autor: Carolina Ricardo
Publicado em: 24/09/2022