Sargento abre chance de punição exemplar

Funcionário de Heleno no GSI, militar defende assassinatos e golpe contra a posse de Lula. PT recorre ao STF.

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Enquanto eram notas ambíguas, ou mesmo pronunciamentos claramente golpistas, mas originados no Alto Comando das Forças Armadas e assinados por coronéis e generais, a leniência das instituições tentou contornar o incontornável. Talvez tenham julgado mais prudente apostar na dissipação do golpismo por desgaste natural. Mas brasa embaixo de tapete não apaga e, como dizem os militares, “o exemplo arrasta”: diante da impunidade dos oficiais superiores, as baixas patentes também começam a se assanhar.

“Tiro na cabeça”

Não foi um caso qualquer, tanto na forma como no conteúdo. Em áudios e vídeos enviados em grupos de mensagens, Ronaldo Ribeiro Travassos, primeiro-sargento da Marinha, participa dos atos antidemocráticos em frente aos quartéis, afirma que o presidente eleito não tomará posse em 1º de janeiro, fala em “guerra civil” e defende “tiro na cabeça” de quem votou em Lula.

“Nós precisamos saber quem é quem, porque a guerra civil vai rolar. (…) Se meu irmão faz o L, é tiro na cabeça. Não tô falando isso de brincadeirinha, não, é sério. Quem faz o L é terrorista. Tem que morrer mesmo, ou mudar ou morrer, porque não tem jeito uma pessoa dessa”, diz em um dos áudios.

“O general sabe”

Travassos é funcionário do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo general Augusto Heleno (que foi ajudante de ordens do general Sylvio Frota, responsável, em 1977, por tentar um “golpe dentro do golpe”, endurecendo a repressão do regime ditatorial). Heleno não esconde ser defensor de um golpe. “Tenho tomado Lexotan na veia diariamente para não levar o presidente Jair Bolsonaro a tomar uma atitude mais drástica”, declarou em dezembro de 2021.

A Constituição proíbe “quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”, mas Travassos afirma que “o general” tem conhecimento da sua participação nos atos antidemocráticos: “Pelo amor de Deus, alguém tá preocupado com isso? Ah, não vou não porque sou militar e não posso. O general sabe que eu tô aqui e eu falei que tem bastante gente, tem gente da segurança e tudo. Oh, meu irmão, é tudo ou nada, não tem conversinha”.

PT recorre ao STF

No dia 29 de novembro, quatro deputados federais petistas recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de afastamento de Ronaldo Ribeiro Travassos de suas funções no GSI, investigação sobre sua conduta, suspensão de seu porte e posse de armas e bloqueio de suas redes sociais.

“Temos aqui pelo menos dois problemas: incitação ao crime e crime contra as instituições eleitorais”, declarou Paulo Teixeira, do PT de São Paulo.

“A distopia que vivencia o representado e os apoiadores do atual presidente, que se negam ao reconhecimento da validade do processo eleitoral e de seu resultado, flerta com a defesa de regime autoritário na condução do país, semeia ódio e a violência, subjugando adversários como se inimigos fossem”, diz um trecho da representação.

Os deputados também querem convocar o general Augusto Heleno para prestar esclarecimentos sobre o caso em comissões da Câmara.

A oportunidade que se abre é inédita: a punição de um militar pelos atos golpistas de 2022. Seu efeito pedagógico pode ser valioso para que as instituições atravessem a transição sem maiores abalos.

Em caso de impunidade, para onde o exemplo nos arrastará?

Fonte: Folha de SP (acesse aqui)

Autor: Fabio Serapião, Marianna Holanda e Matheus Teixeira

Publicado em: 30/11/2022