O golpe atualizado: a ordem é contestar as urnas

“Moderação” no 7 de setembro foi orquestrada nas redes: pesquisa mostra que a palavra de ordem bolsonarista agora é duvidar das eleições e propagar que há fraude.

Nos discursos do líder houve insinuações, ameaças e provocações, mas nada nem próximo do histórico de agressões virulentas que já proferiu em palanques e entrevistas. Será que o candidato se impôs ao golpista, e Bolsonaro de fato está mais moderado?

A tese faria sentido, até porque, como candidato, ele conseguiu o que queria: em flagrante (e certamente impune) crime eleitoral, utilizou-se das celebrações do bicentenário da Independência para aditivar sua campanha com dinheiro público, obtendo belas imagens de multidões, pautando a mídia e criando a sensação de forte apoio popular.

Mas como explicar o igualmente “moderado” comportamento das massas de seguidores que compareceram aos eventos, em caravanas muito bem organizadas e financiadas, vindas de todos os cantos do país? Os mesmos bolsonaristas que nos grupos de WhatsApp pedem intervenção militar com Bolsonaro no poder, fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e prisão de seus ministros, golpe de Estado e sangue heroico derramado em nome de Deus… aparentemente se apresentaram bem mais pacíficos nas plateias de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Fora um ou outro cartaz golpista, aqui ou ali um caixão com os ministros do Supremo, não se viram as esperadas turbas ensandecidas e dispostas à intervenção armada.

Repentino surto democrático dos bolsonaristas? Nada disso: ação orquestrada.

“Nos dias anteriores aos atos, mensagens nos grupos públicos bolsonaristas de WhatsApp já avisavam aos ‘patriotas’ que não haveria agressões aos ministros do Supremo porque o Judiciário, que seria aliado da esquerda, estaria ‘provocando’ Bolsonaro com atos como a proibição de celulares e armas no dia da eleição, na expectativa de que a reação do presidente ensejasse interpretações de que ele pretende dar um golpe”, escreve Vera Magalhães, em O Globo.

Ela se baseia em um levantamento da pesquisadora Andressa Costa, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, que acompanha 14 mil grupos públicos bolsonaristas. Nas mensagens com mais de 127 encaminhamentos, os participantes do 7 de Setembro foram orientados a:

1) Enaltecer o tamanho dos atos e seu caráter pacífico e democrático;

2) Ridicularizar e desacreditar as pesquisas, justamente pelo alto comparecimento às manifestações;

3) Dizer que, portanto, a esquerda só ganha a eleição se houver fraude;

4) Insinuar que os responsáveis pelas fraudes são os ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – com ataques (e caixões) liberados a Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso;

5) Afirmar que os atos comprovam: Bolsonaro ganhará no primeiro turno;

6) Concluir que as medidas do TSE restringindo celular e armas são para “provocar” Bolsonaro, portanto, os patriotas não podem cair;

7) E que, depois de vencer as eleições, Bolsonaro fará o que precisa ser feito, pois tem “autorização” dos “patriotas”.

“O encadeamento é altamente sofisticado e funciona como uma correia de transmissão. Para cada uma dessas mensagens, há uma corroboração nas ações e nas palavras do presidente. Quando ele pede a Deus ‘coragem para agir’, está se referindo aos itens 6 e 7 que listei”.

E assim vai se desenhando o “6 de janeiro” brasileiro, seguindo à risca a insurreição inflamada por Donald Trump ao perder nas urnas sua reeleição, nos Estados Unidos. Não à toa, o ex-presidente declarou apoio à candidatura de Bolsonaro. A extrema-direita mundial tem no Brasil seu último bastião relevante, e aposta tudo na permanência do “Trump dos Trópicos”.

Estamos prontos para resistir?

Fonte: O Globo (acesse aqui)

Autor: Vera Magalhães

Publicado em: 09/09/2022