“Vazamento” e entrevista sugerem que Forças Armadas querem vender imagem de distância do extremismo que alimentam.
Não é simples interpretar as obscuras movimentações dos militares neste período crítico, em que o projeto de extrema-direita que inventaram, fomentaram e do qual se beneficiam pode estar vivendo seus últimos tempos, a não ser que haja golpe.
Em caso de fracasso em uma eventual tentativa de rompimento democrático, quem pagará o pato? A alta cúpula militar parece estar se preparando para se posicionar a uma distância segura de seu “homem-bomba” se o caldo entornar.
Ao menos é o que permite inferir um muito suspeito “vazamento” de informação publicado pelos repórteres Roberto Godoy e Francisco Leali no Estadão do dia 19 de agosto: “A inteligência militar detectou a possibilidade de movimentos mais radicais de apoio ao presidente Jair Bolsonaro tentarem se infiltrar no desfile de 7 de Setembro no Rio de Janeiro para provocar tumulto e defender a intervenção militar no País. O alerta foi decisivo para os militares declinarem de realizar um desfile de armas em Copacabana como queria o presidente. Em pleno bicentenário da independência, a tradicional parada militar no Centro da cidade também foi cancelada. No lugar, o Exército irá realizar um ato sem arquibancada ou desfile de tropas”.
Ao distinguir as decisões militares dos desejos do presidente e “denunciar” o radicalismo bolsonarista como se este não habitasse suas próprias fileiras, as Forças Armadas se utilizam da mídia para semear desinformação e tentar salvar sua imagem pra lá de comprometida com o governo.
A tese é defendida pelo antropólogo Guilherme Lemos, da Universidade Federal de São Carlos, pesquisador do papel das Forças Armadas no Brasil. Em entrevista a Chico Alves, no UOL, ele sustenta que não há nada de imprevisto no que vai acontecer em Copacabana, ou seja: a distância entre os rompantes golpistas do ex-capitão e as decisões “ponderadas” da cúpula militar é puro jogo de cena.
“Estão falando muito de uma mudança de local de forma inesperada. No entanto, quem pesquisa Forças Armadas e os militares sabe muito bem que um aspecto da cultura da caserna é que eles não fazem nada de forma não prevista. Têm uma grande capacidade de estruturar suas ações e cerimônias a partir de uma grande previsibilidade. Então eu vejo um processo de desinformação por meio da mídia. Muito provavelmente, a cúpula das Forças Armadas já sabia que haveria essa alteração, mas isso é utilizado para dar uma imagem de que tudo é feito de forma inesperada, a partir de exigências do capitão presidente Jair Bolsonaro e que os comandos de área e as Forças Armadas ficam reféns dessas imprevisibilidade”.
Ele argumenta que em outros eventos marcantes deste governo – como o sobrevoo do ministro da Defesa em atos antidemocráticos em 2020 e o desfile de tanques na decisão sobre voto impresso pelo Congresso em 2021 – os comandantes militares expressaram insatisfação por terem “sido usados” com intenções exclusivamente atribuídas ao presidente.
“Há um processo de utilizar essas cerimônias como forma de aparentar um afastamento das Forças Armadas em relação ao governo, emular uma contrariedade em relação a esses eventos, quando na verdade a gente sabe muito bem que as Forças Armadas entraram até o pescoço na eleição de Jair Bolsonaro e militarizaram o Estado brasileiro desde 2019, com a eleição do mesmo capitão”.
Assim, os próximos eventos de 7 de setembro em Copacabana, a menos de um mês das eleições, ainda que contem com demonstrações da esquadrilha da fumaça e navios da Marinha, poderão sinalizar um ponto de ruptura (também cenográfica, claro), se os militares calcularem que o beco no momento é sem saída.
“Pode-se esperar ameaças contra o Supremo Tribunal Federal, contra a Justiça Eleitoral e etc. Então vejo também muito como uma oportunidade para que as Forças Armadas, seja a instituição ou os militares que compõem o atual governo, criem uma situação em que fique inviável o apoio deles a Jair Bolsonaro. Algo que resulte na saída do governo. Se necessário, podem usar esse evento para que os militares que estão na gestão Bolsonaro sinalizem à tropa, às Forças Armadas enquanto instituição, que estão abandonando esse governo e redirecionando a tropa para um outro cenário para 2023”.
Vindos de agentes tão pouco transparentes da vida nacional, o que resta aos democratas, diante de tais estranhos atos e manifestações, é conjecturar.
Fonte: UOL (acesse aqui)
Autor: Chico Alves
Publicado em: 19/08/2022