Após proteger golpistas e recusar demissão de bolsonarista, general Arruda perde posto para “legalista” Paiva.
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiu no dia 21 de janeiro o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda. Ele foi empossado interinamente no cargo em 30 de dezembro, ainda no governo Bolsonaro, em um acerto com a equipe de transição para que a troca do comando ocorresse antes da posse do novo governo. O critério de escolha dos comandantes das Forças pelo ministro da Defesa de Lula, José Múcio Monteiro, foi a antiguidade.
Desde a derrota eleitoral de Bolsonaro, os militares participaram do crescente movimento golpista contra Lula, que não por acaso se concentrou em acampamentos em frente a quartéis. Após a invasão das sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro, uma série de episódios agravou a tensão entre o poder civil e as Forças Armadas.
“Minha tropa é maior que a sua”
Na noite de 8 de janeiro, o comandante do Exército protagonizou duras discussões com o governo civil e chegou a ameaçar um confronto armado.
Em resposta às invasões, o presidente Lula havia decretado naquele dia a intervenção civil na Segurança Pública do Distrito Federal. O interventor, Ricardo Cappelli, ordenou que a PM prendesse os bolsonaristas acampados em frente ao Quartel-General do Exército. Mas o comandante do Exército, general Arruda, proibiu que as prisões fossem efetuadas, chegando a colocar o dedo na cara de Cappelli e do então comandante da PM-DF, coronel Fábio Augusto Vieira (depois preso por ordem de Alexandre de Moraes).
“O senhor sabe que a minha tropa é um pouco maior que a sua, né?”, disse o general, em tom de ameaça, referindo-se às tropas da PM e do Exército.
Prisões adiadas
Mais tarde, o confronto foi com o ministro da Justiça, Flávio Dino. O general Arruda exigiu que os ônibus dos golpistas, que haviam sido apreendidos pela Polícia Militar por ordem de Dino, fossem devolvidos. O ministro afirmou que não devolveria, porque eram prova do cometimento de um crime, e assim seriam tratados.
Arruda, subindo o tom de voz, insistia que ninguém seria preso no acampamento. Dino também alterou a voz e manteve que a ordem dele seria cumprida e todos seriam presos. Neste momento, os dois já estavam em pé e o clima prenunciava uma briga ainda mais dura. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, interveio e conduziu a conversa para uma conciliação. Ficou acordado que as prisões não seriam naquela hora, mas no dia seguinte de manhã.
Recusa em demitir Cid
A demissão foi sacramentada quando chegou a Lula a informação de que o general Arruda não demitiria o tenente-coronel Mauro Cid.
Cid era o principal ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, e está lotado no 1º Batalhão de Ações e Comandos, em Goiânia (GO). Trata-se de uma das unidades do Comando de Operações Especiais do Exército, e que, por estar nos arredores de Brasília, pode ser acionada para garantir a segurança da capital.
Uma investigação autorizada pelo STF apontou que Cid manejava recursos em espécie sacados de cartões corporativos do governo Bolsonaro. O dinheiro, de acordo com o inquérito, foi usado até para pagar contas pessoais da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e de familiares dela.
Comandante “legalista”
“Evidentemente que depois desses últimos episódios, a questão dos acampamentos e a questão do dia 8 de janeiro, as relações, principalmente no Comando do Exército, sofreram uma fratura no nível de confiança e nós achávamos que nós precisávamos estancar isso logo de início até pra que nós pudéssemos superar esse episódio”, disse o ministro da Defesa, José Múcio.
No lugar de Arruda, entra o comandante militar do Sudeste, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, que ganhou o noticiário por ter feito declarações incisivas contra os atos de terrorismo em Brasília e cobrando respeito ao resultado das eleições: “Democracia pressupõe liberdade, garantias individuais […] e alternância do poder. […] É o regime do povo […] Quando a gente vota, tem que respeitar o resultado da urna. Não interessa. Tem que respeitar. É essa a convicção que a gente tem que ter, mesmo que a gente não goste”, afirmou.
O discurso de Tomás foi na contramão do silêncio do alto comando e da aliança de generais com o bolsonarismo. “Segundo fontes, o general Tomás já fazia essa crítica há algum tempo. Ele dizia que nem bolsonarismo nem nenhuma força política pode entrar nos quartéis. Quando isso acontece, disse ele, é muito ruim e as forças se distanciam do seu papel constitucional”, comentou a jornalista Natuza Nery.
Passado golpista
No entanto, Tomás Paiva também tem manchas no currículo. Em novembro de 2014, como comandante da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), abriu as portas da instituição para o então deputado federal Jairo Bolsonaro (e ex-capitão afastado do Exército) discursar lançando explicitamente sua candidatura a presidente, saudado como “líder” pelos aspirantes.
Anos mais tarde, foi chefe de gabinete do general Eduardo Villas Bôas, que comandou o Exército durante os governos de Dilma Rousseff e Michel Temer. Villas Bôas é o maior artífice da politização das Forças Armadas nos últimos anos, que possibilitou a ascensão de Bolsonaro e estimulou o golpismo no país.
Fonte: Metrópoles (acesse aqui)
Autor: Guilherme Amado
Publicado em: 21/01/2023