Órgão recebeu líderes dos protestos, acampados e homem preso pelo 8 de janeiro. No QG, agentes barraram PF e PM.
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A Agência Pública teve acesso à lista de visitantes que estiveram no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) – localizado no segundo andar do Palácio do Planalto – entre a derrota de Bolsonaro nas urnas e o fim de seu governo.
O GSI era então dirigido pelo general da reserva Augusto Heleno, considerado peça-chave na construção da tentativa de golpe fermentada em estradas e quartéis e que resultou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.
Entre os visitantes do GSI naquele período estão um golpista preso em flagrante no dia da invasão, ao menos dois agitadores do acampamento em frente ao Quartel-General (QG) do Exército, disseminadores de fake news, militares que conspiraram contra o sistema eleitoral, congressistas de extrema-direita e seus assessores.
Influenciador preso
O influenciador Romário Garcia Rodrigues, conhecido nas redes como “Gay Nordestino Bolsonariano”, esteve no GSI em 18 de novembro. Ele foi um dos mais de 1.400 presos em flagrante por envolvimento no 8 de janeiro. Próximo da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, foi libertado provisoriamente em 13 de março. Garcia frequentava o acampamento na frente do QG do Exército.
Meia hora antes de sua visita, o youtuber bolsonarista Michel Ivonoe Santos Fontes também foi ao GSI. Dono do canal “Michel Notícias”, ele publicou vídeos de Brasília na véspera da invasão: “QG de Brasília, lotado, tomado pelos patriotas de todo o Brasil, e muitas caravanas chegando”. É possível ouvir um homem falando ao microfone “faltam algumas horas para nós marcharmos pela liberdade!”. Fontes esteve acampado no QG e registrou a frustrada tentativa de desmonte do local no dia 29 de dezembro, impedida pela cúpula militar. O vídeo mostra o momento em que agentes de segurança do DF retiram-se da área sob xingamentos dos acampados.
Ameaças gravadas no Planalto
Ex-secretário parlamentar do deputado Carlos Jordy (PL-RJ), o carioca Tacimar Hoendel Silva de Holanda foi outro dos visitantes no GSI de Heleno, possivelmente acompanhado do policial militar Ivan de Araújo Lima, auto-intitulado Cabo Ivan Araújo nas redes, também do Rio de Janeiro. Eles entraram no órgão com um minuto de diferença, no dia 17 de novembro.
Hoendel foi um dos principais agitadores do acampamento golpista entre novembro e dezembro. Menos de uma hora após sua entrada no GSI, publicou um vídeo no Facebook intitulado “Se for preciso a gente acampa, mas o l@drãO [sic] não sobe a rampa”. No material ele afirma: “Infelizmente não posso falar as coisas que passam pela minha cabeça, senão vou acabar sendo preso. Mas vocês podem ter certeza: bandido nenhum vai subir essa rampa”. A localização do vídeo confirma que foi gravado no andar do GSI.
O general e o coronel
O general-de-divisão da reserva do Exército Humberto Francisco Madeira Mascarenhas, conhecido como General Madeira, esteve no GSI em 8 de novembro, quando trabalhava no gabinete do deputado federal Coronel Armando (PL-SC), que em suas redes apoiava os acampamentos em frente a quartéis.
Em 7 de novembro, véspera da ida de seu assessor ao GSI, o Coronel Armando cita o relatório das Forças Armadas sobre as eleições, que seria divulgado no dia 9 (sem apontar indícios de fraude no sistema eleitoral).
No final de novembro, o General Madeira foi um dos 221 militares que assinaram uma carta aberta endereçada aos comandantes das Forças Armadas pedindo intervenção militar.
Outros congressistas
O deputado federal Dr. Luiz Ovando (PP-MS) esteve no GSI no fim da tarde de 9 de novembro – dia da divulgação do relatório das Forças Armadas sobre o sistema eleitoral. O deputado era vice-líder do PP na Câmara dos Deputados. Uma semana após a visita, Ovando deu declarações à emissora Jovem Pan questionando o resultado das eleições.
O deputado Rodrigo de Castro (União-MG), aliado de Aécio Neves, e a então assessora parlamentar sênior do ex-senador Fernando Collor (PTB-AL), Lúcia Feijó Barroso, também visitaram o GSI, respectivamente nos dias 4 de novembro e 8 de dezembro.
GSI x PF
Em entrevista à Revista Fórum, um policial federal que na época estava lotado na Presidência da República revela que agentes do GSI participavam do acampamento de Brasília e atuavam para boicotar as investigações da Polícia Federal contra os criminosos no local.
“O pessoal da Contrainteligência da PF já monitorava o acampamento e já sabia do envolvimento dos militares diretamente, isso pelo menos desde meados de novembro do ano passado, quase um mês antes do primeiro ataque, o do dia 12 (de dezembro).
A Contrainteligência, no intuito de trabalhar em conjunto com outros órgãos de inteligência, pediu apoio do GSI e recebeu o contrário… Os caras (do GSI) começaram a sacanear e entregar os agentes da Contrainteligência da PF que monitoravam o acampamento… Começaram a delatar mesmo, pros bolsonaristas acampados… E começaram a colocar dificuldade no trabalho… Foi aí que a ficha começou a cair e eles (agentes da PF) passaram a perceber que existia algo muito esquisito acontecendo lá”.
GSI x PM
Em depoimento a uma CPI instalada na Câmara Legislativa do Distrito Federal, o coronel Jorge Eduardo Naime, que no período era comandante de Operações da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), também relatou ter sido impedido de fazer seu trabalho por agentes do GSI.
“Eu fui acessar a área onde toda a população estava acessando, eu estava fardado, com viatura caracterizada e um patrulheiro do meu lado. Fui abordado por um soldado do Exército, que botou a mão no meu peito, me proibiu de entrar, chamou uma guarnição do GSI.
Vieram mais ou menos uns 15 [agentes] do GSI, aí a população [pessoas que estavam no acampamento] veio correndo atrás deles. Começou um sargento a falar comigo, numa forma totalmente fora do conceito militar, apontando dedo na minha cara, me mandando sair. A população começou a me xingar, me chamar de vários nomes, e fui colocado para fora”.
Fonte: Agência Pública (acesse aqui)
Autor: Caio de Freitas Paes e Laura Scofield
Publicado em: 29/03/2023