Há 35 anos o ex-capitão do Exército não se conforma com o regime que tanto o elegeu, e sonha com ditadura. E agora?
“Não há dúvida de que toda essa movimentação tem ramificações, está articulada com a extrema direita militar e civil e tem o objetivo real de desestabilizar o processo de transição democrática”. As palavras são do professor da Unicamp e coronel da reserva Geraldo Cavagnari Filho, em entrevista para o Jornal do Brasil em 27 de outubro de 1987. E se boa parte delas cai como luva no contexto atual, é porque seus personagens principais continuam em cena.
O Brasil mal saía de uma ditadura de 20 anos e havia gente agindo para sabotar a democracia. Cavagnari Filho comentava a denúncia de que planejava-se um atentado terrorista no meio militar: instalar bombas nos banheiros da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), no Rio de Janeiro, e da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ), para pressionar por reajuste salarial. E quem arquitetava o ataque? O então capitão Jair Bolsonaro.
Absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM), ele ganhou carta branca para prosseguir em sua longa carreira de opositor do regime democrático brasileiro, coroada em 2018 com a eleição para a Presidência da República.
Em 1993, já deputado federal, defendeu no plenário da Câmara o fechamento do Congresso e a implantação no país de uma ditadura como a de Alberto Fujimori no Peru. “Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção”. Processado por quebra de decoro, foi protegido pela regra democrática que garante imunidade aos parlamentares por suas opiniões.
De lá para cá, é conhecida sua coleção de impropérios violentos e ditatoriais: a ditadura devia ter matado uns 30 mil, FHC devia ser fuzilado, com voto não se resolve nada nesse país, quem procura osso é cachorro (sobre os desaparecidos na ditadura) e o não menos degradante “Não te estupro porque você não merece” (no que se alinhou a um de seus ídolos, o ditador paraguaio Alfredo Stroessner), culminando por louvar um torturador em plena votação do impeachment de uma presidente. Nada que o impedisse de se tornar cada vez mais popular.
Não seria alcançando o cargo maior, mais uma vez eleito democraticamente, que abriria mão de seu ideal: acabar com a democracia no país. Ainda em falas – “não cumprirei as ordens do Supremo Tribunal Federal”, ataques ao sistema eleitoral – mas agora também em atos: como comandante em chefe das “minhas Forças Armadas”, ele se vê enfim com o poder de derrubar o regime que tanto o incomoda e restaurar a ordem que o formou, rodeado de vários antigos colegas da caserna com os quais compartilha a mesma mentalidade saudosa dos tempos de exceção.
A julgar pelas pesquisas, o prazo parece cada vez mais curto para uma virada que o sustente no poder pelo voto. Partirá para o tão sonhado golpe? Apoio popular, segundo o Datafolha, o regime ditatorial não tem (7%, contra 75% que preferem a democracia). A credibilidade das Forças Armadas também caiu sob seu governo: só 30% dizem confiar nos militares, uma das menores taxas do mundo.
E agora, ex-capitão? Será que a democracia enfim vai derrotar Bolsonaro e o que ele representa?
Fonte: Valor (acesse aqui)
Autor: Andrea Jubé
Publicado em: 16/08/2022